Hoje completa um mês desde a nossa chegada a Velaris e, finalmente, no dia seguinte iríamos ao Reino Mortal atrás da segunda parte do livro.
A Casa do Vento se encontra silenciosa. Alguns resolveram passar mais tempo na própria casa, os Grão-Senhores foram ver a obra na residência perto do rio, os três irmãos saíram, e Faye resolveu explorar mais lojas na cidade.
Então eu, como não estou com muita vontade de acompanhá-la, preferi ficar desenhando.
Tem tanto tempo que sequer pego em um lápis... Desfazer o laço de parceria ocupou minha mente. E desenhar faz parte de mim, desde que Fyrias se fora, a muito tempo atrás.
Abro o caderno encarando a página em branco por bons minutos. Resolvo sair do quarto e ir até o pátio. Me sento na beirada e começo a fazer alguns rabisco da cidade lá em baixo, mas antes que eu possa transformar aquilo em algo adequado, um par de asas illyrianas passa por mim, me assustando. Azriel pousa com alguém.
Levanto para os cumprimentar, a primeira coisa que vejo do visitante são os fios vermelho do cabelo.
Lucien.
— Taryn! — ele faz uma expressão confusa — Não sabia que estava aqui.
— Rhysand e Feyre me convidaram um mês atrás para passar uma temporada em Velaris — sorrio. — E você? O que faz aqui?
— Vim visitar Elain. Também acho que finalmente comprarei um apartamento na cidade — cantarola.
— Ela está no jardim — Az avisa distante, e entra na casa.
— Bom, não vou atrapalhar a sua visita.
— Na verdade — Lucien hesita um pouco. — Preciso falar algo com você, já que está aqui não quero perder a oportunidade.
— Tudo bem — ergo o cenho confusa.
— Eu menti para você naquele dia na Corte Diurna.
— O que?
— Eu não fui um simples guarda da Corte Primaveril — responde e eu fico cada vez mais confusa. — Fui amigo do seu pai, Taryn. Talvez o único amigo que teve por décadas.
Engoli em seco, Lucien foi amigo do meu pai? Ele sequer mencionara seu nome uma única vez.
— Pode continuar, por favor? — murmuro.
— Meus irmãos iam me matar — uma sombra passa por sua face —, Tamlin me salvou. E daquele dia em diante jurei o servir, com isso fui morar na Corte Primaveril. Anos, década, séculos se passaram e ficamos muito amigos, eu amava minha vida lá. Contudo, Amarantha um dia retornou, lançou sua maldição e deu os cinquenta anos a Tamlin, e tudo mudou, a felicidade da Primaveril se esvaiu. Eu vi meu amigo se afundar cada vez mais no desespero, já que, salvar Prythian dependia dele. Quando Feyre chegou... — suspira.
"Não acho que Tamlin tenha a amado de verdade, acho que precisou amá-la, e isso são coisas bem diferentes. Depois que a maldição foi desfeita e nós voltamos para casa tudo só piorou... Seu pai desistiu dela por completo, a tratava como se fosse apenas uma fêmea para lhe dar filhos poderosos. Me arrependo até hoje por fechar os olhos a isso, por não ter ajudado Feyre quando podia. Achei que deveria apoiar Tamlin, sempre. O problema da devoção Taryn, é que ela pode cegar você."
Lucien encara o chão.
— Acreditei que um dia, meu amigo voltaria, ainda tinha esperanças. Quando a Grã-Senhora retornou a Corte Primaveril para acertar as contas, fui embora com ela. Não aguentava mais passar um único dia lá e o temperamento do seu pai ia de mal a pior — o macho faz uma pausa. — Quando você me viu, e não soube quem eu era, resolvi não contar sobre isso, creio que se Tamlin quisesse teria dito, mas preferiu não o fazer.
— Eu sinto muito por tudo que meu pai causou a você, Lucien — encosto minha mão em seu ombro e ele fica surpreso. — Eu não sou meu pai, todos tem a mania de nos comparar — faço uma careta. — Tamlin errou e fez coisas horríveis no passado. Porém nas últimas décadas tenho a impressão de que quer concertar as coisas, só não sabe por onde começar. Algumas cicatrizes demoram para cicatrizar.
— Deve estar certa — dá de ombros. — Acho que no fundo ainda tenho esperanças que volte a falar comigo. Quando Ella apareceu em sua vida, se tornara outra pessoa.
— Sim, as coisas vão se resolver, Lucien. Dê tempo ao tempo — sorrio.— Por que resolveu me contar?
— Porque você merece saber a verdade. Tamlin escolheu não contar, mas eu não.
— Obrigada — o abraço.
— Bom, vou ver como Elain está — diz se afastando e eu concordo.
Volto a beirada da casa com vários pensamentos. Quantas coisas papai ainda oculta de mim? É claro, eu não o pressionaria, ele diz no seu tempo.
Pego o caderno e volto a desenhar Velaris. Depois de uns trinta minutos consigo fazer boa parte do que vejo, até que alguém me chama:
— Taryn — viro, é Azriel.
— Sim? — pergunto me levantando.
— O que vocês estão aprontando? — ele fica ao meu lado.
— Como?
— Eu sei que você, Akinli, Anakin, Aster, Faye e Noelle foram Sob a Montanha, as sombras me contaram — engulo em seco. — E só um louco iria para lá ou alguém desesperado por algo, achei que vocês contariam após uns dias, mas não foi o caso, então estou aqui para perguntar.
Me mantenho neutra. Anakin avisara mais cedo que o mestre-espião o fez a mesma pergunta, para Aster e Akinli também. Seus pais ficaram bem bravos com os três.
— Só fomos lá para visitar, nada demais — desvio o olhar para o caderno.
— Taryn, por favor, me diga a verdade — pede baixo.
— Só fomos para visitar — repito o encarando. — Somos jovens, Azriel. Temos esses instintos de querer fazer coisas loucas.
Az balança a cabeça suspirando.
— Essa família é única coisa que eu tenho, a única coisa que eu amo Taryn, e eu perdi muito durante toda minha vida — diz. — Quando Amarantha atacou Prythian, não teve um único dia daqueles cinquenta anos em que eu não me culpasse pelo ocorrido, eu deveria ter percebido o que estava havendo. As coisas estão agitadas de um jeito ruim por este reino, não posso deixar acontecer novamente.
— Está tudo bem — lhe lanço um sorriso. — Não deve ser nada demais.
— Prometa que não irão acabar com o mundo.
— Dou minha palavra — Az concorda e sai voando.
Engulo em seco, entendo bem o que se passa com ele. Alguns sentimentos nunca vão realmente embora, apenas se alojam escondidos em seu coração, enquanto você tenta conviver da melhor maneira possível. Eu sei como é não conseguir proteger alguém que ama.
No fundo queria ter certeza que essas coisas estranhas em Prythian não é minha culpa. Mas algo dentro de mim diz o contrário.
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Corte de Primavera e Escuridão
FanfictionDuzentos anos se passaram desde que Prythian se libertou das garras afiadas de Hybern. Feyre e Rhysand tiveram filhos, e o primeiro é Anakin, um dos jovens mais poderosos do mundo. Enquanto isso Tamlin tenta se reerguer após a crise que se estendeu...