seven

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Sento-me no meu lugar habitual e tiro os materiais da mochila. Hoje tenho de me empenhar a cem porcento na aula senão arrisco-me a tirar um zero no teste da próxima semana e isso iria arruinar a minha média impecável. A sala começa a encher e o professor entra. Os meus olhos vão parar ao lugar na minha diagonal esquerda, três fileiras atrás. Está vazio, não sei por quê olhei. Professor Lester entra e logo começa a aula, fazendo primeiro uma revisão na matéria anterior antes de dar a nova. Passaram-se vinte minutos quando sinto uma movimentação ao meu lado mas prefiro não deixar que isso atrapalhe a minha concentração total no quadro de giz à frente da enorme sala.

   — Pst.

   Ignoro os toques no meu ombro e aponto algumas informações sobre o sistema esquelético para poder usar mais tarde no estudo.

   — Pst.

   Mais uma vez tento ignorar, desta vez fazendo um sinal com a mão para que a pessoa perceba que estou demasiado ocupada. Tal como disse: tentei. A pessoa aproxima-se e eu sinto o seu perfume. Aquele cheiro tão característico numa combinação de shampoo, cigarros e madeira. Não precisava de ouvir a sua voz para saber quem é, mas mesmo assim ele falou muito perto do meu ouvido.

   — Podes emprestar-me uma folha?

   E como se soasse uma campainha na minha cabeça, virei-me para ele repentinamente. Ele estava ali muito próximo a mim com os seus olhos cor de whiskey vidrados no meu rosto a perscrutar os meus traços por entre a penumbra em que a sala se encontra. A minha expressão devia ser de completo espanto e confusão ao que ele disse:

   — Uma folha, baby. Tens várias no teu caderno. — um sorriso de canto surgiu nos seus lábios e foi aí que eu reagi. Arranquei uma folha do meu caderno, fazendo mais barulho do que eu gostasse que fizesse, e dei-lha. Ace agradeceu e eu voltei a encarar o quadro de giz agora escrito com um sistema do corpo humano. Raios, tenho de prestar atenção. Sistema linfático, okay, não é difícil.

   Professor Lester está a referir como a linfa é um líquido alcalino de composição parecida ao sangue sendo que não possui hemácias e só contém glóbulos brancos dos quais noventa e nove porcento são linfócitos.

   — Pst. — ele toca-me novamente no ombro. Não acredito!

   — Agora não posso, Ace.

   — Eu só preciso de uma caneta. — ele pede com a voz baixa e rouca. Atiro-lhe o estojo para que ele se desenrasque e talvez perceba que eu não posso dar-lhe atenção.

   Não sei como aconteceu mas perdi-me na matéria e fiquei toda confusa. Num momento estava uma coisa escrita no quadro e era só preciso eu desviar dois segundos os olhos que já lá estava escrito milhões de coisas nada a ver.

   — Merda! Eu vou tirar negativa! — praguejo. Os olhos de Ace, que antes estavam vidrados na frente do salão, viram-se para mim acompanhando a sua cabeça num movimento brusco. Finjo não ter notado, tentando inutilmente aquietar as borboletas que resolveram mais uma vez sobrevoar o meu estômago cada vez que aqueles olhos claros brilham na minha direção.

   — Eu ajudo-te. — ele sussurra. Olho para ele incrédula. Ele, Ace Braden, ajudar-me com Anatomia Humana II? Uma disciplina que nem consta no seu curso de Artes? É uma piada, só pode! Onde estão as câmeras de filmar a dizer que é brincadeira?

    — Obrigada, mas não obrigada, Braden. — dispenso com um sorriso trocista.

    — Eu estou a falar a sério. — ele encara-me impassível. Nem uma sombra de sorriso. Os nossos olhos conectam-se e o sorriso nos meus lábios esmorece imediatamente. Ele está realmente a falar a sério. Não há indícios de brincadeira no seu rosto e eu quase aceito a ajuda. Quase. Porque razão haveria eu de dizer que sim? Todas as lembranças daquela tarde me invadem a mente e vejo que não tenho nenhum motivo. Ele é querido comigo num momento, no seguinte fecha-se e faz-me sentir mal como uma intrusa perto dele. Não acho que é assim que deva funcionar. Alguém tem que ensinar ao Ace que para receber tem que dar e se ele me repele de conhecê-lo então eu também o mando dar uma curva sempre que ele se tentar aproximar.

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