Prólogo

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***

Londres, 1880

Haviam pequenas e irregulares pegadas nos vãos de areia do vasto gramado da mansão. Isso levou Anahi a sorrir divertidamente, percorrendo com cuidado o rastro que a menina deixara. Quase todos os dias, fazia questão de acompanhar a filha nas empreitadas que a pequena vivia pelos arredores da propriedade. Amava vê-la explorar a natureza, responder sobre todas as coisas que a menina ainda não entendia, ajudá-la a observar cada animalzinho que surgia, e tantas outras coisas que não tivera a oportunidade de viver quando tinha a idade de Bella. Anahi nunca economizava atenção e força quando o assunto era sua filha. Estava experimentando um amor tão intenso que a encorajava e, da mesma forma, amedrontava; um amor que por muito tempo duvidara existir.

Margot observava através de uma das dezenas de janelas da mansão, os punhos cruzados nas costas, tranquila em acompanhar o ritmo das duas e contente em perceber como aquela família apenas se fortalecia a cada dia que passava. Não havia rachaduras, desconfianças ou incertezas. Era a vida plena que Anahi sempre havia almejado.

Arthur, há poucos cômodos dali, orientava a mudança dos móveis do quarto de Bella. Ele havia hesitado, mas agora já não se podia ignorar que a menina, apesar de tão pequena, já tinha uma opinião concreta sobre - quase - tudo, principalmente sobre seu quarto, sobre a cor das paredes, sobre a quantidade de travesseiros na cama, sobre as janelas e as cortinas, as bonecas na estante... Havia chegado a hora de lidar com o fato de que sua neta já não era uma bebê, tampouco uma bebê maleável.

– Puxa, hoje está muito difícil! – a loira dramatizou, elevando a voz. Em seguida ouviu uma risada infantil soando por trás da árvore logo a sua esquerda e, exclusivamente para dar mais suspense a brincadeira, resolveu blefar: sabendo que não encontraria ninguém, surpreendeu o vazio por trás da árvore a sua direita e encenou novamente um suspiro de decepção quando se deparou com nada além do vento.

– Oh, não! Que pena! Eu podia jurar que ela estava aqui! – lamentou, teatral – Onde será que essa garotinha sapeca se meteu?

Outra risada tímida flutuou no ar. Era a melodia mais doce que Anahi já havia escutado. Ela sorriu em silêncio, completamente apaixonada e envolvida pelo som, e por isso foi realmente surpreendida quando dois bracinhos pequenos e frágeis se enrolaram por trás de suas pernas, quase na altura das suas coxas.

Bu! Peguei você, mamãe! – a menina exclamou, gargalhando sem parar. Anahi fingiu um susto descomunal, muito mais exagerado do que o que a situação pedia. Mas Bella nem percebia, absorta na sua nova vitória. Em seguida Annie iniciou um ataque de cócegas que fez a pequena gritar de tanto rir.

– Isso é tão injusto. Não pode me deixar ganhar uma vez sequer? – pediu num muxoxo. Bella negou com a cabeça, escondendo um sorriso travesso atrás das mãozinhas. Depois, totalmente afoita, a menina começou a tentar se enfiar sob o vestido da mãe. Ainda era pequena o suficiente para isso – Hey! O que está fazendo?

– Escondendo – ela respondeu, simples.

– Por quê? Você já ganhou – ela viu a filha colocar a cabeça para fora do vestido e apontar a carruagem que chegava além dos portões da mansão. Depois a menina bateu o dedo indicador contra os lábios, sapeca, pedindo silêncio, e voltou a se enfiar sobre sua saia. Quando Anahi olhou, Ian estava chegando – Oh... Claro. Entendi – sorriu, aguardando.

– Anahi – ele disse, sério, beijando-a demoradamente sobre a testa – É verdade que Bella sumiu?

– É verdade. Todos estamos preocupados, ninguém sabe onde ela foi parar.

– Puxa! Comprei para ela uma coisa especial... – Ian encenou, dramático – O que vou fazer com esse chocolate tão grande agora?

Um momento de silêncio e... Nada aconteceu. O farfalhar das folhas era audível. Bella nem se moveu sob a saia da mãe.

– Bem – Anahi refletiu por um instante, dando de ombros logo depois – Já que não sabemos onde ela está, acho que ela não se importaria se eu comesse todo esse chocolate sozinha, não é?

– Não, mamãe! – um gritinho indignado irrompeu no jardim – É meu! – e com isso Bella saltou para fora, pulando na ponta dos pés para alcançar o chocolate que Anahi tirava do seu alcance. Os três riram, cúmplices, absortos na onda de bons sentimentos que aquela relação trazia. Depois de tudo, a vida havia sido generosa, afinal. Annie vivia, até o momento, o que poderia ser considerada a melhor fase da sua vida. Tinha a família com a qual sempre sonhou, amigos que a amavam e um trabalho para prosperar.

Bella aceitou dar um mísero pedaço para cada um e depois praticamente devorou seu chocolate, feliz e lambuzada. Ian aproveitou para beijar Anahi rapidamente na ponta do nariz. Ela devolveu, sorridente, abraçando-o. Com a cabeça apoiada no peito dele e observando a filha, a criaturinha mais linda que já vira, ela sentiu o amor preencher cada pedaço de si e pensou, involuntariamente, na trajetória que a levou até ali.

Na mesma idade de Bella, Anahi não tinha os pais, nem muitos amigos, nem qualidade de vida. Cresceu e se machucou de formas que nem acreditava serem possíveis. Viu atitudes e pessoas tão más que preferia não lembrar. Em poucos segundos, dentro do abraço aconchegante de Ian, ela revisitou memórias que foram esmagando seu coração aos poucos. Apesar da enorme diferença entre ela e a filha, o mundo ao redor continuava cruel. Sentiu medo por ela, uma vontade sufocante de protegê-la e seria capaz de absolutamente qualquer coisa para fazê-lo.

Diante das lembranças, Anahi apertou Ian entre seus braços, respirando fundo. Então para sentir novamente a segurança de que nada poderia voltar a dar errado, pôs-se a relembrar toda a trajetória que viveu desde que recuperou a mansão em Londres. Toda ela, desde o início.

*

(...)

Depois do InvernoOnde histórias criam vida. Descubra agora