Capítulo 06

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Anahi voltou a vivenciar sua redoma de proteção e amor. A vida estava devolvendo com muita generosidade tudo que um dia havia lhe tomado e agora, além de todas as coisas grandiosas que almejava ser, tinha a oportunidade de experimentar a maior delas pelo resto da vida: ser mãe.

É claro que tinha medo - e muito - afinal os eventos anteriores (e também seu médico) não lhe permitiam viver a plena atividade de seus compromissos diários. A cautela que andava tomando lhe trazia a antiga sensação de risco e receio. Mas uma coisa estava diferente: agora ela sabia se perceber, sabia ler seu próprio corpo e compreender que agora era uma casa, que abrigava a pessoa mais importante do mundo em si, tão forte quanto ela mesma nunca seria. Seu bebê merecia toda a esperança, perseverança e dedicação que ela podia dar.

Anahi passou a olhar muito para si, não apenas no sentido literal. Se observava e se entendia. Comia muito bem, bebia bastante líquido, dormia serenamente, dividia seu tempo com mais responsabilidade, consequentemente trabalhava de uma forma que não a exauria e descansava como se estivesse nas nuvens. Para isso, precisou de muito suporte, de todos. Arthur, Ian, Margareth, Margot, Dulce... Tinha um exército em nome de seu bem estar. Já praticamente não realizava suas tarefas sem que alguém assumisse o papel de sua sombra. Contudo, ainda assim, conseguia experienciar bons momentos consigo mesma e, sobretudo, com seu bebê, transmitindo-lhe todos os bons sentimentos que levava no peito.

Ela ainda demorou a ver as formas de seu corpo mudarem mas, depois que finalmente inutilizou seu primeiro vestido, passou a perder praticamente três deles por semana. A barriga despontou muito timidamente a princípio e quase não se notava, mas depois do que Dr. Billard, segundo seus cálculos, classificou como terceiro trimestre da gestação, ela praticamente triplicou de tamanho.

Com isso veio o encanto também triplicado da família e das pessoas com quem Anahi se encontrava. Era unanimidade que ela estava absolutamente linda! Isso porque além de corada e ativa, demonstrava infinita felicidade e sempre inspirava confiança. E por mais incrível que pareça, ninguém ousava perguntar sobre Alfonso, sobre onde estava e porquê não voltava. Nem mesmo Anahi costumava pensar sobre isso e tudo bem.

- Acha que vai ser um menino ou uma menina? - certo dia Dulce perguntou. Sentadas no jardim, tomando suco de frutas, as duas se entreolharam. Anahi meneou a cabeça, pensando.

- Acho que vai ser uma menina.

- Na verdade, você quer que seja uma menina, não é?

A loira riu, divertida.

- Confesso que talvez eu tenha, sim, esta preferência, mas não ficarei desapontada caso seja um menino. E você?

- Eu quero que seja um garotinho tão lindo quanto o próprio Christopher.

Anahi revirou os olhos, resmungando pela careta sonhadora da amiga.

- Acho um péssimo rosto para uma criança - ela escarneceu, tomando um leve tapa no joelho.

- Acharia um péssimo rosto o de Alfonso também? - Dulce devolveu, brincalhona, mas dois segundos depois se arrependeu da própria pergunta. Tinha medo de fazer Anahi ter pensamentos que pudessem magoá-la e achava que provavelmente seria confuso para a amiga ter um menino idêntico ao pai do qual havia tentado desesperadamente se livrar.

Mas a verdade é que isso não parecia ruim, não causava medo em Anahi. Serviria para lhe mostrar que múltiplos erros ainda podiam resultar em um acerto afinal, e que era possível ressignificar memórias, mesmo algumas sendo tão pesadas. Como a superação de um passado de sofrimento. Já estava há bastante tempo nesse processo. E vinha caminhando bem.

- Precisa saber uma coisa - disse Margareth outro dia - Vou acompanhar seu parto. Não quero correr o risco de não ter tempo de ajudá-la, caso precise.

Anahi entendeu a que se referia, mesmo que ela tentasse disfarçar a preocupação. Felicity havia morrido assim. A própria Anahi havia passado por complicações sérias. Margie não queria outra experiência como essa.

- É claro que vai. Eu exigiria - Annie garantiu, sorrindo para a mais velha.

- Ela estaria tão feliz com seu bebê. Engravidar de você, segundo suas próprias palavras, foi a maior graça que alcançou. Imagine só pensar que Felicity teria um neto - Margareth riu, divertida - Eu mal conseguia imaginá-la sendo mãe!

Anahi fechou os olhos, sentindo a brisa fresca envolver seu rosto e cabelos. Durante muito tempo havia conversado com a tia sobre os últimos anos da mãe, sobre como fora a gravidez. Era maravilhoso escutar tudo novamente tendo ela mesma um filho no ventre. Sentia-se exatamente como a mãe nas memórias que Margareth lhe relatava: cheia de vida e de esperança. Agora podia compreender melhor.

- Ela seria uma mãe excelente, sim?

- A medida que você foi crescendo eu percebi que, sim, você não poderia ter vindo de outra pessoa. Seriam carne e unha e não conseguiriam viver em sociedade. Ninguém suportaria. Eu mandaria John enviá-las a outro continente, com certeza.

As duas se dobraram de rir, cúmplices.

- Nesse universo paralelo, eu estaria indo junto - disse Arthur, surpreendendo-as. Anahi continuou, divertida:

- Certamente seríamos uma família de agricultores em alguma terra muito muito distante.

- E certamente seríamos infinitamente felizes mesmo assim.

Annie ficou enternecida ao ouvi-lo, acolhendo o rosto do pai com as duas mãos num gesto carinhoso e emocionado.

- Pai, você é a pessoa mais otimista que eu conheço.

Ele deu um semissorriso tímido, assumindo a versão simpática que oferecia a pouquíssimas pessoas e que Anahi conhecia bem.

- Encontrei você, estamos juntos. Por que eu não seria? - a loira assentiu, compreensiva - Qualquer mundo e qualquer realidade em que eu esteja com você e com as pessoas que eu amo me parecem muito promissoras. Mas precisamos pensar nas coisas como elas são agora, na felicidade que temos hoje. Perdemos o controle sobre o passado há muito tempo, querida, e o futuro nunca nos pertencerá.

Havia um fato: Arthur sabia como aquecer seu coração e toda sua vida. Cada novo momento com o pai era ainda mais especial e enriquecedor. Assim correram meses graciosos. Era um tempo de paz disseminada. Nele, havia uma figura muito comum: Anahi com a mão descansando sobre o ventre praticamente 24 horas por dia, mesmo enquanto fazia outras tarefas além de se balançar e cantarolar para o bebê. Gostava de sentir seus movimentos na palma da mão, pois era como se estivessem trocando carícias e garantindo proteção, um fluxo mútuo de energias. A barriga avantajada havia se tornado um excelente apoio para livros e foi no meio de uma dessas tardes em que lia algo romântico o suficiente para fazê-la cochilar, que sentiu o abdome enrijecer e doer de uma forma quase insuportável.

Ela despertou sobressaltada, cerrando os dentes. Só percebeu que agarrava os braços da cadeira com muita força quando a dor dissipou e ela teve de relaxar. Nunca havia sentido algo nessa intensidade... Ela refletiu durante um minuto com toda serenidade que havia conquistado nos últimos meses, enquanto estudava e era orientada sobre a gravidez. E então se perguntou: será a isso que Dr. Billard se referia como um importante sinal de que o bebê estava perto...?

Depois do InvernoOnde histórias criam vida. Descubra agora