Capítulo 20

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T h o m á z

Lá estava eu novamente, mais uma vez caminhando entre pessoas que eu nem conhecia. Entre pessoas que não sabiam o motivo pelo qual eu estava ali. Pessoas que não sabiam o que se passava na minha mente fodida. O irônico era que nem eu sabia. Por um momento, eu me senti igual a eles, até porque eu não tinha nada melhor para fazer a não ser estar ali. Eu gostava de bater, brigar sem motivo. Gostava de levar socos também. Sentir que eu estava transbordando um pouco do sentimento escuro dentro de mim pelos punhos, era libertador. Só que o efeito passa, e então você mergulha nos problemas novamente. Mas dessa vez eu estava experimentando um tipo diferente de escuridão. Eu gostava de quebrar maxilares, não corações.

Bryan anuncia o começo da luta, e o cara a minha frente se prepara, com os punhos na frente do corpo. Eu estava tão desorientado, que por um momento, me esqueci o que eu precisava fazer. Em um segundo, o cara estava levantando os punhos, e no segundo seguinte, já avançava em mim, me dando um soco certeiro no maxilar. Minha cabeça girou. Com a visão um pouco turva, volto à posição de defesa, da mesma forma que ele. Eu apenas o imitava. Eu não sabia o que eu estava fazendo ali. Foi uma péssima ideia pensar que poderia resolver esse problema, lutando. Foi ingenuidade minha achar que conseguiria extravasar sentimentos que eu nem sabia o que significavam. O cara avança novamente, mas dessa vez eu vou mais rápido que ele, o atingindo no olho esquerdo. E é nesse momento que eu perco o controle. É nesse momento, que eu sinto o impulso de força dentro de mim que eu estava procurando. E tudo acontece rápido demais até para eu processar. Depois do primeiro soco, desfiro mais dois seguidos no seu maxilar, e então mais outro. O sangue jorra do nariz do meu oponente, mas eu não paro. Caímos no chão, eu por cima e ele embaixo, imobilizado, entre as minhas pernas. Nesse momento, já perdi as contas de quantos socos já dei, mas sinto o meu rosto úmido. Provavelmente sangue. Continuo, sem perder o ritmo, até sentir alguém me afastando violentamente do cara desacordado à minha frente. Levanto na hora, e então, sou empurrado para fora da arena. Só consigo ouvir alguma coisa, quando estou na sala de espera, com Bryan gritando alguma coisa.

- Você perdeu a cabeça? Você pode ter matado o cara, Thomáz! Matado! Porra, você sabe das regras, irmão. O que aconteceu? – Sua voz está desesperada, mesmo eu não estando olhando para ele para comprovar, sei que ele deve estar ficando vermelho de raiva.

- Eu não sei – digo em voz baixa.

- Como não sabe? Você se transformou naquela arena. Você simplesmente partiu pra cima do cara e não parou de socar ele. Me diz o que aconteceu? É sobre o seu pai? Pesadelos? Deixa eu te ajudar.

Desvio os olhos do chão e foco no meu melhor amigo. Ele estava nervoso, mas tentando manter a calma. Apenas ele sabia mais do que tinha acontecido naquele escritório, onde encontrei meu pai morto. Bryan sabia também dos meus pesadelos, que eu não conseguia dormir, acordava suando frio, apavorado, no meio da noite. Imagens voltam na minha mente, mais rápidas do que eu sou capaz de controlar. Dois dias depois, quando o corpo do meu pai estava apodrecendo aos poucos em um necrotério, dentro de uma gaveta, esperando ser estudado para saber especificamente a causa da morte, eu estava com uma sacola plástica transparente em mãos, com os acessórios e pertences que ele usava no momento que foi encontrado morto. A perícia me entregou no mesmo dia, mas nem eu e nem a minha mãe fomos capazes de tocar nos pertences. Meu pai tinha se resumido a meros acessórios dentro de uma sacola, e carne dentro de uma gaveta. Quando eu despejei na mesa do seu escritório o que lhe restou de memorável sobre aquele dia, vi apenas três coisas: os óculos de grau, o relógio e o seu inseparável anel. Aquela pequena joia de ouro 24 quilates foi o gatilho que eu precisava para despertar toda a raiva dentro de mim. A pequena serpente esculpida no centro do anel, com uma pedra de rubi vermelha escarlate, despertou, naquele momento, o pior de mim. Foi por causa daquele vermelho vivo da pedra, que minha mente escureceu. Porque ele significou, por anos, o meu futuro. Desde que eu me entendia por gente, meu pai dizia que quando eu me formasse na profissão que me faria feliz, ele me daria aquele anel, que era hereditário, já que o meu bisavô havia dado para o pai do meu pai, e assim sucessivamente.

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