23 - Feira De Scarborough

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Ainda de olhos fechados, o cabo ouviu um som gutural vindo do seu lado. Era obvio para ele o que aquele estranho barulho significava e imediatamente abriu os olhos e buscou a arma. O ferimento impedia-o de se movimentar, mas o rapaz fez o máximo possível para manter a arma em mãos. Olhou em direção ao som e observou um invasor, que apesar de ter sido alvejado por alguns tiros, ainda tinha tentava lutar. Afonso pensou em atirar nele, e dar fim ao seu sofrimento, mas mudou de ideia, pois o rapaz queria que os aliens sofressem. Por outro lado, o inimigo não tentou em nenhum momento pegar a arma que estava ao seu alcance, preferindo vasculhar em seu corpo, até encontrar algo que se assemelhava a uma seringa. Percebendo o que estava acontecendo, o humano apertou o gatilho e um projetil veloz acertou o corpo molhado do outro, fazendo-o largar o objeto, que rolou para próximo do atirador. Se arrastando com todas as forças, ele pegou o item e o examinou. "Que se foda. Eu já estou morrendo mesmo", pensou ele, antes de injetar o estranho liquido transparente, próximo da sua ferida, que rapidamente se misturou a sua corrente sanguínea, fazendo percorrer pelo seu corpo uma dor alucinante e um grito desesperado ecoou pelas ruas desertar e foi novamente encoberto pelo som da batalha. Por fim ele perdeu o folego e o corpo caiu imóvel no asfalto frio e molhado.

Em outro ponto, não tão distante dali Susana novamente observava a paisagem de desolação que a pequena cidade havia se tornado. O som da batalha havia se encerrado há algumas horas e agora apenas a chuva fazia, um suave e até relaxante barulho. Ela e Katharine estavam melhor, mas as coisas na casa onde estavam não iam nada bem.

- Estamos ficando se estoque. Com o fim da batalha, esse lugar se torna perigoso de mais. Pode haver aliens rondado por aí. – Disse Jacob. O velho madeireiro segurava uma carabina tão velha quanto ele. O homem não soltava a arma em momento algum e estava sempre alerta. Sua voz era forte e imponente, e apesar de estar sempre sério e concentrado, não era uma companhia ruim. Apesar de estar com o grupo a apenas alguns dias, a garota já havia traçado um perfil psicológico de cada um deles. Vasin, por ser mais velho era o que tinha mais experiencia, entretanto seu perfil mostrava um dor e solidão que eram preenchidos com trabalho e outras atividades que lhe davam prazer antes da grande dor chegar. A garota apostava em uma perda de um ente querido, talvez esposa ou filhos, mas como ele não muito falador, preferiu não perguntar. Sebastian era jovem e tinha um perfil comum a todos os rapazes de sua idade. A psicóloga percebeu que ele era espontâneo e tinha um senso altruísta bem forte e presente em suas ações, sempre preocupado com ela ou com Katharine. Dean era o mais novo e mais amargurado de todos apesar disso. Seu perfil era o mais obvio também, e demonstrava um certo grau de depressão. Era sempre mal-humorado e resmungava o tempo todo, e Susana percebeu que o rapaz na verdade sentia apenas medo e isso o frustrava, talvez pela impotência da situação ou talvez por que, como a garota suspeitava, ele havia perdido alguém bem próximo que o protegia, como a mãe ou o pai.

- Sair daqui? Não sei se é uma boa ideia. – Disse Dean.

- Eu acho que deve ter uma cidade, talvez a uns cinquenta quilômetros. – Informou Sebastian.

- Cinquenta quilômetros? – Questionou o garoto. – Mas nem fodendo que eu vou andar cinquenta quilômetros. Gordos não foram feitos para andar tanto assim.

O comentário apesar de ser bastante serio fez todo mundo rir, mas a situação era séria e Jacob retomou a discussão.

- Essa é a nossa melhor opção. Vamos recolher tudo e sair daqui quando estiver escuro. A chuva e a escuridão nos darão uma excelente cobertura, caso encontremos alguma coisa.

O gorducho saiu reclamando como sempre e subiu para o segundo andar da casa e Susana foi atrás dele. O garoto claramente precisava de ajuda, mas ninguém do grupo parecia saber o que fazer direito, sobrando para ela a tarefa de ser sua psicóloga, mesmo ele não querendo uma. Ela parou na porta do quarto e o observou enquanto pegava algumas mudas de roupa e colocava dentro de uma das grandes mochilas que o grupo tinha. Ele resmungava o tempo todo, e fazia a tarefa com raiva, jogando as roupas com força desnecessária.

- Oi. – Disse ela, assustando-o. O rapaz de cabelo desgrenhados imediatamente levou o braço ao rosto, de forma a secar as lagrimas que escorriam. Ele fungou e resmungou algo.

- O que quer?

- Conversar um pouco.

- As garotas estão lá em baixo.

- Mas eu gostaria de conversar com você, se não se importa.

- Sobre?

- Nada em especial. Eu só estou com medo de tudo isso e gostaria de distrair a mente um pouco.

- Tudo bem. – Disse ele, parando seus afazeres e olhando para a garota. A ironia em seus gestos era mais do que óbvia. – Já que você quer conversar, vamos conversar.

Ela se aproximou dele, com um sorriso singelo no rosto que o deixou sem jeito, então sentou-se de frente a janela e o chamou para fazer o mesmo. No início o garoto se sentiu desconfortável e indeciso, mas a insistência da psicóloga foi maior e ele desistiu de lutar contra.

- Quando eu sentia medo de chuvas como essa, minha mãe costumava me fazer sentar perto da janela e observar a chuva escorrer pelo vidro, enquanto cantava uma antiga canção que ela mesma ouvia quando criança.

- Não me interessa saber o que sua mãe fazia ou deixava de fazer.

- Claro que não. Mas se importa se fizer isso?

- O que? Quer que eu cante para você?

- Não. – Disse ela, sorrindo da sugestão. – Quero apenas que observe a chuva cair e lembre de todas as pessoas que te ajudavam a superar os seus medos.

- Que seja. – Disse ele, revirando os olhos.

A jovem psicóloga passou o braço pelo ombro do garoto e cantarolou baixinho, durante vários e vários minutos. Até que finalmente ele quebrou o silencio.

- Meu irmão gostava da chuva.

- E ele era mais velho que você? – Perguntou Susana, já entendendo o que se passava e finalmente encontrando as peças que faltavam no quebra-cabeças que era o perfil psicológico de garoto.

- Sim. Ele me ajudava quando eu tinha medo da chuva. Raios não me deixavam dormir. "Não se preocupe Dean." Dizia ele " Está muito longe. Não pode te machucar. " Mamãe e papai trabalhavam muito e Adan quem cuidava de mim. Ele me ensinou a cozinhar, a costurar e me ajudava com o dever de casa. – A garota o abraçou com mais força, trazendo-o para mais perto de si. O jovem rabugento e resmungão estava ali, sentando, observando a chuva, enquanto as lagrimas começaram a brotar em seu rosto.

- Está tudo bem Dean. – Disse a psicóloga.

- Eu sinto a falta dele. – Disse ele, chorando.

- Eu sei que sente, meu bem. Mas vai ficar tudo bem. Eu estou aqui para ajudar você. – E com essas palavras o garoto desabou em lagrimas, todas as lagrimas que ele segurava durante tanto tempo agora vieram à tona, e então deitou no colo de Susana, que amavelmente acariciava os cabelos desgrenhados do rapaz, enquanto cantava baixinho para ele.

" Lembre-me de quem vive lá" Dizia a letra " Ela outrora já foi meu verdadeiro amor".  

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