CAPÍTULO 9

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Helena

Havia chegado o tão esperado dia do treinamento, e digamos que eu nem estava tão nervosa quanto todos achavam que eu estaria. Não sentia nem mesmo medo, pois depois da guerra tive a convicção de que nada poderia ser pior do que ela. Não é possível que um simples treinamento seria pior do que passar uma noite nas trincheiras do norte.

Quando acordei pela manhã, Marcus já não estava mais no palacete. Havia partido para uma missão em Alexandria para tentar resgatar os rebeldes espiões, e eu esperava muito que na próxima já estivesse em condições de ir. Não aguentava mais parecer quase um peso morto em meio a tudo o que estava acontecendo no país.

Apesar de o moreno já ter embarcado à muito tempo quando me levantei, havia um par de luvas reforçadas da cor vinho e um bilhete sobre a cama com o nome dele, poderia reconhecer sua letra nada cuidadosa em qualquer lugar.

"Boa sorte no seu primeiro treino, Senhorita Hele, e espero que quando eu voltar, não tenha destruído o palacete inteiro.

Marcus."

Rio com o bilhete, revirando os olhos e tendo consciência de que eu não seria tão descuidada assim. Prometi que só arrancaria algumas cabeças de estátuas e nada mais que isso.

Analisei as luvas e as coloquei em minhas mãos, eram lindas, não podia negar. Não tínhamos um par com tanta qualidade assim nem na Capital. Após dar uma boa olhada, vesti uma roupa com um tecido parecido com elástico que Thalia havia separado para mim e me arrumei até mesmo antes do horário previsto. O treinamento seria apenas às sete e pela primeira vez eu estava pronta pelo menos meia hora antes. Até meu pai se surpreenderia com tanta pontualidade.

Assim que terminei tudo, me dirigi rapidamente a uma espécie de campo circular que ficava à esquerda do palacete, perto dos hospitais e da cozinha. Era cercado por pequenas cadeiras em toda a sua extensão, o que me fez pensar que talvez, de vez em quando, houvessem lutas de verdade com uma plateia de verdade naquele lugar.

Não foi muito difícil avistar meu tutor de treinamento, já que o mesmo jogava mísseis feitos de água por todo o lugar. O homem acertava alvos e mais alvos que surgiam do chão, das paredes e de todos os lugares possíveis. Estava sendo fascinante observar os mísseis até que um deles quase me atingiu, porém o homem o fez parar imediatamente, e o observei se desfazer em sua forma líquida a apenas 1 metro de mim. De repente, todos os alvos se recolheram e ele fez uma reverência. Era a segunda vez que via um poder de verdade e ainda não tinha me recuperado de quando Marcus me mostrou o dele, era assustador, apesar de ter um também correndo em minhas veias.

- Senhorita Helena, me disseram que você talvez fosse se atrasar um pouco. – Diz ele, com um sorriso amigável. – Mas vejo que chegou bem na hora.

Meu tutor não era muito alto mas também não tinha uma baixa estatura, era só alguns centímetros mais alto que eu, talvez. Seu cabelo já estava começando a ficar branco e alguns fios azuis ainda persistiam, porém as rugas acumuladas com o tempo o denunciavam.

- Acho que só dei sorte. – Falei, dando um grande sorriso para encobrir meu rosto cansado.

Na verdade só estava tão adiantada porque não tinha dormido quase nada na noite passada, tendo pesadelo atrás de pesadelo. Luca teve que vir 3 vezes no meu quarto pois eu sempre acordava com falta de ar depois de cada um deles.

- Bom, então vamos começar. – O homem faz um movimento com as mãos, mostrando a mim o seu poder novamente. – Isso que você tem dentro de você, essa magia que faz seus instintos aflorarem, é uma coisa muita poderosa. Ninguém sabe ao certo desde de quando nossa raça existe, e muito menos quando o poder do fogo surgiu, mas há quem diga que é um poder muito antigo, e deve ser manuseado com o máximo de cuidado possível.

Cada palavra do mais velho parecia me perfurar por dentro e por fora, pois me lembravam da responsabilidade que havia tomado para mim e das milhões de vidas que eu poderia salvar ou tirar, tanto com meus poderes quanto com as escolhas que ainda teria que tomar daqui em diante.

- Estou consciente disso, Senhor... – Falo, notando que ele ainda não havia falado seu nome.

- Ah, me desculpe, que deselegância a minha. Meu nome é Max, prazer. – Ele me estende a mão e eu a aperto com firmeza.

- Muito prazer, Senhor Max. – Falo, sorrindo. – Me ensine tudo o que puder. Estarei apta para aprender.

- Muito bem.

Ele tira um bracelete do bolso adornado de vermelho e dourado. O brilho da peça contra o sol poderia ter facilmente me cegado caso eu não tivesse fechado os olhos.

- Isso lhe permitirá usar seus poderes. Não pode perder de jeito nenhum. – Diz ele, me entregando o bracelete. Imediatamente o encaixo em meu braço.

- E o que me impedia de usar antes? – Pergunto, era algo em que eu havia pensado em boa parte da manhã.

- O reino inteiro é coberto por rochas subterrâneas que aprisionam o poder de pessoas como nós. Foi uma medida que o antigo Rei tomou para que não os incomodássemos mais. – Ele suspira com pesar, deve ter se lembrado do dia em que as tribos foram invadidas e vários de seus irmãos decaíram pela mão do rei. – Vamos, tente um pouco, com certeza vai conseguir uma chama, por mais pequena que ela seja.

Olho para minhas mãos com medo, finalmente teria a chance de ver aquela chama que tanta diziam que estava dentro de mim, mas ao mesmo tempo que meu corpo desejava por aquilo, não sabia se estava preparada o bastante.

Quando me concentro fechando os olhos, sinto um calor estranho rodear meu corpo inteiro, e deixo apenas aquilo fluir dentro de mim, como um verdadeiro rio de lava. As minhas veias se agitam com a magia e posso sentir a respiração um pouco mais leve, até parecia que o oxigênio entrava mais rápido dentro de meus pulmões.

Ao abrir os olhos novamente, me assusto com o que está em minha pele. O fogo me cobre inteiramente, vermelho e vibrante, quente porém não ao ponto de me derreter viva. É, na verdade, um calor acolhedor.

Conforme os segundos passam a chama só aumenta mais e mais, e consigo ouvir Max gritar um pouco mais distante de mim provavelmente por causa do calor que deveria estar muito forte.

- Helena, concentre-se. Não deixe que a chama te consuma!

Foco em suas palavras mas infelizmente não consigo fazer nada para que o fogo se acalme, e é nesse exato momento em que começo a entrar em pânico. Max grita mais uma vez e não consigo ouvir, estou imersa em um turbilhão de pensamentos. Por que fui tentar isso? Como achei que poderia aguentar um poder tão grande quando antes era apenas uma garota qualquer? Como achei que realmente conseguiria controlá-lo?

De repente, uma onda de água gigantesca bate contra mim e sinto dor, não o bastante para me fazer gritar, mas com certeza machucava. Sinto o fogo se apagar e o solo quente abaixo de mim. A onda me derrubara com toda força e uma fumaça leve ainda saia de todo o meu corpo, algo dentro de mim se revirava por causa do fogo em contato com a água.

- Senhorita Helena, você está bem? – Perguntou Max, certificando-se de que já tinha apagado a chama inteiramente antes de se aproximar.

- Estou bem, Max, obrigada. – Falo, respirando fundo e rindo um pouco da situação. – Tenho que admitir, Marcus está ficando cada vez mais inteligente, escolhendo um Marine para treinar minhas chamas.

O Marine sorri levemente, me ajudando a levantar do chão e continuar com o treinamento. Pelo resto da manhã e parte da tarde, o máximo que pude fazer foram pequenas bolinhas de fogo, e minha mira era quase boa, se não fosse terrível. Anos de treinamento no exército não me prepararam em quase nada para lidar com essa minha nova vida, mas como poderiam prever? Eu não fazia ideia do que me aguardava pela frente.

A Herdeira do FogoOnde histórias criam vida. Descubra agora