Capítulo 21: Quando Eu Não Poderia Culpá-la

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Acordei sentindo uma dor de cabeça muito chata. Já me sentia curado da gripe, mas vez ou outra eu ainda sentia algo. Vi 06h34 am no visor do meu celular. Bocejei e cocei os olhos. Como de costume, enviei uma mensagem para ela.

Bom dia. 06h35

Levantei da cama e abri a janela. Sempre ficava admirado com a vista do condomínio. Curiosamente, avistei o mesmo casal de idosos que eu vira outra vez. Eles estavam novamente caminhando. A mesma boina ou quipá na cabeça. Eram muito fofos. Quis acenar, mas eles estavam de costas e não iriam me ver, então apenas sorri, imaginando que gostaria de envelhecer ao lado dela e possuir um relacionamento tão prazeroso de se ver como o deles.

Bati com o braço na parede - não sabia como isso havia acontecido - e vi que estava vermelho. Doía. Meu pai apertara meu braço na noite anterior. Ele nunca havia feito isso comigo. Fui humilhado por suas palavras. Não o via desde então. Lembrei que minha mãe havia tentado falar comigo, mas eu pedi para que fosse dormir e me deixasse em paz, pois eu já tinha muitas coisas para me preocupar.

Fui em direção ao banheiro e molhei meu rosto. A bagunça em que meus cabelos se encontravam não estava no mapa. Mas também não me incomodei nem um pouco. Fiz xixi, escovei os dentes, verifiquei se o bafo matinal havia sumido - e, de certa forma, sumiu - e abri a porta do meu quarto. Artur estava do lado de fora, vestindo uma calça de moletom azul e um casaco preto. Presumi que havia acordado antes de mim. Fechei a porta e passei por ele, sem sequer dar "bom-dia". Não que eu estivesse sendo mal educado, mas não via necessidade em falar com ele. Não depois de tudo o que havia acontecido.

E, ok, eu poderia agradecê-lo por ter me avisado sobre o fato dos nossos pais planejarem nossa volta a São Paulo pelas minhas costas, mas isso não era novidade para mim. O que me entristeceu foi saber que eles planejavam tudo como se eu fosse uma criança, que saberia a verdade apenas no dia. Foi como receber uma apunhalada.

- Fredo...

A voz dele pairou no ar. Soava triste. Melancólica.

- Eu sinto muito se venho pegando no seu pé ultimamente. - eu não o olhava nos olhos. Mas ouvia atentamente. - Quero ser tão bom quanto você. Quero que eles me amem como amam você. Eu não te contei aquilo por mal. Eu estava embriagado, fodido. Falei sem pensar.

Respirei fundo.

- Eu sei, Artur. Eu sei.

Não olhei para trás. Não sabia se ele havia sorrido. Mas senti que ele estava sendo sincero.

Na sala, minha mãe assistia ao noticiário local. Mas ela não conhecia as ruas, nada. Mas queria ficar informada a respeito do lugar onde estávamos. Ela fumava. Fumava mais do que o normal. Talvez fosse o excesso de preocupação. Acenei para ela quando me viu. Embora, pensei, ela não merecesse isso.

Na cozinha, peguei dois ovos. Cortei pedaços de queijo. Encontrei uma frigideira pequena e pus margarina nela, já com o fogo ligado. Quando derreteu, pus os ovos e depois o queijo. Adicionei sal. Lembrei que Luíza não gostava de ovo e sorri feito bobo. Mesmo em momentos assim ela conseguia me trazer paz.

Encontrei pão e peguei três - eu estava morrendo de fome - e, já com os ovos e queijo prontos, comi. Não era fã de café, mas enchi uma xícara e acrescentei leite. Comi devagar. Aliás, mais devagar que o normal. Minha cabeça estava nas nuvens. Eu não conseguia parar de pensar e pensar. Era inevitável. Precisava conversar com ela. Queria dizer-lhe que iria ficar em Salvador, que nem mesmo uma ordem do meu pai faria com que eu mudasse de ideia.

*

- Mas eu vou querer ficar aqui! - Nila estava do outro lado da linha. - Meu braço tá muito dolorido. Não quero papo com ele.

Infinitos São Os Nossos AtosOnde histórias criam vida. Descubra agora