Cheguei fraco em casa. Minha mãe pegou um termômetro e mediu a minha temperatura. Eu estava ardendo em febre. Parecia que eu havia saído de dentro de uma panela de pressão. Talvez até mesmo um ovo poderia ficar frito somente se eu o segurasse por alguns minutos. Graças a Deus eu não tinha sal no corpo. Eu sentia frio. Tanto frio quanto sentira em casa, no dia em que descobri que iríamos para Salvador. Mas se bem que o dia estava nublado também. Meu pai pediu para que eu tomasse um banho de água fria para tentar diminuir a febre.
Subi as escadas lentamente, um passo de cada vez, mais lento que uma tartaruga. Artur estava em pé, próximo à porta do seu quarto. Usava uma bermuda preta e uma camisa regata branca. Praticamente não era mais possível ver o machucado em sua testa. E ele estava com a barba por fazer. Ficava estranho quando deixava-a crescer. Meu olhar foi de encontro ao seu, que estava me fitando.
— Não creio que você foi para a casa da Luciana usando este tipo de roupa — apontou para meu o visual simples, mas confortável. — Seus dedos estão sujos de areia.
— Não adianta sempre usarmos calça e sapatos, Artur — rebati. — E o nome dela é Luíza. E com Z.
— Como for, eu não me importo. Espero que fique bem logo — então entrou no quarto e fechou a porta.
Não tive tempo de agradecê-lo. Mas, pelo menos, fiquei contente por perceber que ele estava de bom humor.
Entrei no meu quarto e fechei a porta. Retirei todas as roupas e entrei no banheiro. Eu ouvia o barulho da chuva caindo. Olhei para o meu reflexo no espelho: olhos lacrimejados, nariz vermelho, olheiras... Eu realmente não estava nada bem. Parecia um zumbi. E eu estava tão bem de manhã.
Atchim!
Espirros novamente.
Liguei o chuveiro e fiquei em pé, pelado, com medo de sentir a água em meu corpo magro. Tremendo, primeiro deixei que a água molhasse meus dedos do pé. Só por isso senti vontade de não tomar banho, mas era melhor. A febre estava de matar.
Entrei debaixo do chuveiro de uma vez, rápido. Paralisado, deixando a água cair. Tremendo, arfando... Espirrando. Merda. Merda. Merda.
Seja homem, Alfredo! Com medo de água?, meu emocional dizia.
Ora, eu não estava temendo a água. Mas, pelo amor de Deus, eu estava doente. E ainda mais estava chovendo. O frio que eu sentia era o mesmo que estar na Antártida pelado a não ser por um cinto. A merda de um cinto que não serviria de nada.
Comecei a me ensaboar. Alguns instantes depois desliguei o chuveiro e peguei minha toalha. Enxuguei meu corpo e enrolei-a na cintura. Cruzei os braços — com frio, óbvio — e saí do banheiro. Ainda estava chovendo. Procurei por alguma roupa confortável. Encontrei uma calça verde de moletom e um blusão azul-claro. Quando estava prestes a vestir a cueca, ouvi alguém bater na porta.
— Quem... É? — já estava cansado de tanto fungar.
— Sou eu, filho — minha mãe, sua voz soava preocupada. — Trouxe um remédio para você. Posso entrar?
— Estou pelado, mãe. Quando eu terminar de me vestir eu vou descer. Combinado?
— Claro. Se precisar de algo mais, pode nos dizer, ok?
Assenti, mas logo lembrei que ela não estava me vendo.
— Obrigado, mãe.
Finalmente me vesti. Voltei ao banheiro para pentear os cabelos pretos. Olhando para o meu reflexo outra vez — quem não se olhava no espelho ao ver um na própria frente? —, olhei para as minhas bochechas e meu pescoço, à procura de algum sinal de barba. Mas nada havia mudado, infelizmente.
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Infinitos São Os Nossos Atos
RomanceO que fazer quando duas pessoas compartilham infinitos semelhantes? Fredo (Alfredo Diniz) é um simpático, engraçado, confuso e gentil rapaz de dezenove anos, que mora em São Paulo. Diferentemente de Artur, seu irmão mais velho e irresponsável, o jo...