Eu ainda estava deitado. Sabia que já havia amanhecido fazia tempo, mas o frio me impedia de levantar da cama e ir socializar com as pessoas que estavam em casa. Basicamente, seria o mesmo papo chato de antes: "Você vai se acostumar com isso, filho" a minha mãe iria dizer. Nas últimas semanas ela sempre dizia isso para mim. Não é que eu não acreditasse nela, mas eu estava a ponto de explodir.
Sabe quando você se acostuma com algo e, como uma explosão, tudo se parte em mil pedaços? Eu estava me sentindo desse jeito. Não era início de depressão - sabia identificar a maioria dos sintomas -, muito menos uma crise de ansiedade. Era abstinência. Sim! Eu até estava com dúvidas quanto à escrita dessa palavra. Eu não sabia se era preciso acrescentar um "i" após o "b". A falta da escola estava me deixando desatento. Como eu poderia não saber escrever uma palavra tão profunda como essa?
Meu caso estava sério. Eu precisava ocupar a minha mente! Alfredo, pelo amor de Deus, você deve ser o único que sente falta da escola, meu emocional me dizia, enquanto eu ainda estava deitado. Até mesmo ele não conseguia me animar. Eu sentia saudades de arrasar nas aulas de matemática. Céus, eu precisava apresentar um seminário... ok, eu sentia um pouco de vergonha. Normal, certo? Ou não, talvez. Sempre existiram pessoas que não sentiam vergonha disso. Mas eu sentia, mesmo quando arrasava e tirava nota máxima.
Mas pelo menos eu não me gabava por isso. Mas alguns colegas - não era obrigado a considerá-los meus amigos - sempre ficavam exibindo suas notas altas. Mas eu não sentia inveja. Pois eu dava duro para ir bem. E não iria ser a nota 10 de um merdinha que iria me fazer abaixar a cabeça e parar de escrever minhas redações. Ah... Eu sentia saudades! Eu poderia fazer uma sobre o meu momento, não poderia? Ou seria forçado demais? Poderiam achar que eu estava tentando chamar a atenção, será? Ora, eu estava com consulta marcada com uma psicóloga que eu sequer sabia o nome. Meu pai estava preocupado comigo, então marcou a droga da consulta.
Eu não iria falar novamente as mesmas palavras que eu estava acostumado a dizer desde as últimas semanas: "Sinto falta da escola e não sei o que fazer". Tecnicamente, eu já deveria ter concluído o ensino médio há algum tempo, mas morei um ano fora do país e eu não sabia a língua, então fiquei um ano sem pegar um caderno. Mas isso faz anos. Ok, eu era confuso. Mas e daí? O Charlie de As Vantagens De Ser Invisível também era, certo?
Pondo fim às minhas divagações, Artur entrou em meu quarto. Ele estava com uma toalha cinza enrolada em sua cintura. Havia alguns pelos em volta do seu pescoço, sinal de que não havia se barbeado. E seus cabelos pretos e cacheados estavam caídos por sob a sua testa lisa. Ele notou que eu ainda estava deitado e cutucou meu pé.
- O que você quer? - resmunguei, sem paciência.
- Irmãozinho, não acha que está na hora de tirar a bunda dessa cama box?
- Não, não acho - puxei o cobertor até o peitoral e virei de lado. - Eu não dormi quase nada, tá?
- Você é tão fresco! - ele coçou o queixo. - Eu não fiquei assim quando terminei os estudos.
- Você não gostava da escola - ele me fitou. - Sou sincero, desculpa.
- É, eu sei disso - e então saiu do meu quarto.
Artur terminara os estudos há alguns anos e não fazia nada de importante além de sair com várias meninas em uma única semana - diferentemente de mim, que nunca namorei - e sempre estava gastando o dinheiro dos nossos pais. Eu sei que ninguém é obrigado a entrar em uma universidade, mas, meu Deus do céu, nossos pais quiseram pagar um curso para ele, mas o retardado disse que não pretendia seguir carreira universitária. Deixou passar uma grande chance.
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Infinitos São Os Nossos Atos
RomanceO que fazer quando duas pessoas compartilham infinitos semelhantes? Fredo (Alfredo Diniz) é um simpático, engraçado, confuso e gentil rapaz de dezenove anos, que mora em São Paulo. Diferentemente de Artur, seu irmão mais velho e irresponsável, o jo...