Final

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"Aprendemos a conviver com a perda, com as pessoas que nos deixam. Elas permenecem conosco, mesmo não estando vivas, mesmo não respirando mais. Não é mais a mesma dor avassaladora que sentimos no começo, aquela que nos invade e dá vontade de chorar nos lugares errados, que nos deixa irracionalmente irritados com todo idiotas que ainda continuam vivos, enquanto quem amamos está morto. Mas aprendemos a nos adaptar. É como se acostumar com um buraco dentro de nós. Você sabe que ele está lá, mas com o tempo, aprende a conviver com ele".

Eduardo Bergamini
Finalmente chegou o grande dia. Uma data nunca demorou tanto tempo para chegar como hoje. Nem consegui dormir à noite de tanta ansiedade, ainda mais que a Valquíria inventou de levar minha mulher para longe de mim. Bela passou a noite em um spa, imagina só o meu estado. Vai que ela resolve fugir e me larga no altar? Acho que tenho uma parada cardíaca, sério mesmo. Felizmente chegou a hora. Meu pai e meu melhor amigo estão aqui me ajudando à me arrumar, como se eu precisasse de muita ajuda para vestir um simples terno, coisa que eu faço todo dia para ir trabalhar. Mas fico feliz de tê-los me entretendo, pois estou muito nervoso. Chegamos no local da cerimônia bem antes do horário marcado, conferi tudo que Bela tinha me narrado mil vezes ontem. Tudo estava em ordem. A organizadora do evento me fez comer e tentou me manter calmo até os convidados chegarem, o que não funcionou muito, pois a cada minuto eu conferia a hora. Finalmente deu 14 horas, e comecei ver os primeiros convidados chegarem. Como o parque é muito grande, não foi possível fechá-lo para realizar nossa cerimônia como eu queria, mas Bela disse que queria mesmo que tivéssemos plateia. E antes mesmo de ter chegado, já tinha uns olhares curiosos direcionados ao locam. Passei a cumprimentar meus convidados, e isso ajudou para que o tempo passasse rápido. Às 14:30 entrei pelo tapete vermelho até o altar, com meu pai me acompanhando, porque minha mãe sumiu da minha vida há muito tempo. Juntamente ao juiz de paz esperamos a atrasilda chegar. Ás 14:45 minha mulher surgiu. Disse várias vezes que não queria nada muito grande, mas ao fim, ficou uma cerimônia muito luxuosa. Sua carruagem surge na grama verdinha do parque, o sol que raia lá no céu faz com que a tintura da carruagem brilhe ainda mais. Vejo as duas mulheres da minha vida sorrindo de ansiedade e empolgação. Primeiro ajudam minha filha descer, ela está linda, simplesmente linda. Seu sorriso parece chegar na orelha, e eu me vejo nela, também não consigo parar de sorrir. Depois de admirar minha princesa por longos segundo, chegou a vez da minha mulher, que desceu da carruagem arrancando suspiro dos convidados e curiosos. Ela sorri ansiosa ao me ver, e me perco em seu doce olhar. Forço-me para olhar o restante do seu corpo, seu vestido que foi escolhido à dedo, e seu cabelo que não nega que acabou de sair do Jacques Janine. Ela caminha lentamente em minha direção, sorrindo à cada flash direcionada à ela, e eu pareço um apaixonado abobalhado que não consegue parar de sorrir. Quando finalmente toco suas mãos, e agradeço ao meu sogro. Meu coração quase saí pela boca de tão disparado que está.

-Meu amor - Bela toca meu rosto com carinho - está lindo!

Uma lágrima surge em meus olhos, e seco antes que ela escorra.

-Eu te amo - sussuro ao nos virarmos para o juiz de paz.

A cerimônia foi rápida, da maneira de queríamos. Em pouco tempo uma multidão de pessoas cercaram o local, eu nem conseguia me importar com isso, estava tão realizado com a situação. Chegou a hora dos votos, e da troca de alianças, sorri ao ver minha filha caminhar em nossa direção. Quando chegou na nossa frente, eu e Bela nos abaixamos na sua altura para agradecê-la, e beijar seu rostinho. Foi quando tudo aconteceu, de uma maneira muito rápida, só vi o reflexo da Valquíria pulando em cima da Manu, e ouvi o disparo de três tiros consecutivos. Passo os olhos pelo local, e em meio à multidão vejo a Bruna e a Flávia sorrindo.

(...)

Paramédicos correm em todas as direções, ouço gritos e ordens em todo lado. Eu estou meio grogue, pelo que entendi acabei de acordar de um desmaio. Grito pela minha mulher e pela minha filha, mas não obtenho respostas. O parque já se transformou em uma bagunça, pessoas correm em todas direções. Há paramédicos, policiais, seguranças do parque, muitos estranhos, e vejo poucos rostos conhecidos. A sirene da ambulância e do carro da polícia atrapalham meu raciocínio lógico, e ainda me pergunto o que estou fazendo aqui no chão. A decoração da nossa cerimônia de casamento foi toda destruída. Os bancos estão espalhados pelo parque, e os vasos de flores quebrados pelo chão. Enquanto tento entender o que houve, esforço meu corpo para que se levante, mas nenhum dos meus comandos é obedecido. Frustrado, por nem ao menos gritar estar conseguindo, resolvo chegar os olhos e pedir para que tudo fique bem.

Algum tempo depois, sinto como se estive acordando novamente. Observo ao meu redor e estou em um típico quarto de hospital, ligado ao soro. Quando penso em gritar, sinto uma queimação em minha garganta, e decido ficar quietinho pelo meu bem. Pareceram horas que fiquei esperando alguém aparecer, sendo que na verdade devem ter se passado nem vinte minutos. Um enfermeiro, lá para os seus quarenta anos, entra no quarto acendendo as luzes que me deixam meio tonto.

-Boa noite... - ele confere meu nome na prancheta - Eduardo.

Aceno levemente com a cabeça, pois não consigo falar.

-Sou o Raul, responsável platão noturno dessa ala, caso precise de algo pode gritar como conseguir, que eu corro aqui para lhe ver. Bem - ele tira uma lanterna do bolso - deixa eu ver como está.

Raul passa por cada pedacinho de meu corpo, e quando termina me olha por baixo dos óculos de grau.

-Seu estado é ótimo, está um pouco perdido no momento pois acabou de passar por um estado de grande estresse. Segundo a Marli, enfermeira do turno da tarde, você chegou em estado de choque. Aos poucos os fatos vão de desembaralhando, e sua racionalidade retorna junto. Também levou um tiro de raspão na perna esquerda, foi um ferimento pequeno que precisemos apenas higienizar e fazer um curativo. Amanhã, até o fim do dia, você recebe alta. É provável que precise de uma bengala nas primeiras semanas para aguentar seu próprio peso, ainda mais em uma perna fraturada, mas conforme a ferida for cicatrizado já podemos abandonar a terceira perna de madeira - ele sorri simpático - Precisa de algo?

Tento apontar para minha garganta e depois para o frigobar, indicando que precisava beber algo, Raul demorou um pouco, mas ao fim entendeu o que pedia. Ele me deu água para beber, e depois de quase secar a garrafa consegui respirar aliviado.

-Obrigado - disse meio rouco - cadê a minha mulher e a minha filha? - pergunto com certa dificuldade.

O enfermeiro me olha um pouco sem jeito, como se estivesse pensando em que palavras dizer, e por fim resolve sussurrar apenas um: "Sua família está louca para lhe ver". Logo pensei que Bela entraria pela porta com a Manu no colo, porque fora elas, só restam meu pai e a Marilu da minha família, quem mais viria me visitar? Aguardo ansioso, quando quem abre a porta é a Valquíria, ela está com a Manuela no colo, que no momento dorme, e logo atrás entra seu namorado, meu pai e minha irmã. Todos eles com caras de velório, com olhos inchados como se tivessem chorado por horas.

-Gente pra que todo esse drama? Estou vivo! Eu hein, tirem essa cara de velório do rosto, até parece que morreu alguém! - digo em tom brincalhão para aliviar o clima pesado.
-Precisamos conversar - diz Valquíria séria.
-Cadê minha mulher? - pergunto ansioso.

É ai que todas as peças se unem na minha cabeça, e eu finalmente ligo os fatos.

A vida é incontornável. A gente perde, leva porrada, é passado pra trás, cai. Dói, ai, dói demais. E quando achei que finalmente iria começar à aproveitar a vida, esse direito me foi tirado.

Sr. DestinoOnde histórias criam vida. Descubra agora