Vicente
Está difícil ficar em casa sem minha mãe, mesmo eu não ficando a maior parte do tempo sozinho, já que meu pai chega do serviço por volta das 19:00, porém fico a maior parte do tempo sozinho, no silêncio, até agradeço quando a Laura está aqui. Hoje é sexta, dia de consulta e de festa, o Murilo conseguiu me convencer a ir com ele e pelo visto a Laura irá também, Murilo que a chamou.
- Então Vicente, como foi sua semana? - Ana sentou-se na minha frente após fechar a porta do consultório.
- Minha mãe está viajando e contratou uma menina pra limpar a casa. - eu disse rapidamente, pois só isso havia acontecido de diferente na minha semana, de resto foram só estudos e estudos.
- Hum, e como você se sente?
- Me sinto... - parei para pensar. - não sei, é sempre difícil entender os meus sentimentos.
- Eu sei, por isso estamos aqui.
- Eu acho que eu me sinto estranho. Sempre foi eu, minha mãe e meu pai dentro de casa, todos os dias, de vez em quando com o Murilo. Agora, minha mãe foi viajar, meu pai trabalha o dia inteiro e eu fico o dia inteiro sozinho, exceto quando a Laura está lá, somente duas vezes por semana. Acho que eu gosto da presença dela, ela não é invasiva. Ela é quieta, fica mais na dela e eu percebo que ela tem receio de conversar comigo, acho que ela é daqueles tipos de pessoas sabe? - há um certo grupo de pessoas que não toleram quem diferem da realidade deles, quem não é igual as pessoas que estão ao seu redor, tipo eu. Eu nem gosto dessa palavra, porque o que é diferente?
- Vicente? - eu despertei-me dos meus pensamentos com a minha psicóloga me chamando.
- Desculpa, eu me distrai.
- Eu estava dizendo que se sentir estranho é comum, de certa forma essa mudança na sua casa faz você sair da sua rotina. Se permita viver, tenta fazer uma amizade com a Laura.
- Vou tentar, mas ela pode conversar comigo normalmente, eu não sou um monstro. Minha mãe deve ter falado tanta coisa pra ela. - respirei fundo. - Eu percebo que ela tem receio até em me olhar.
- E se você tomar a iniciativa? Não espera ela falar com você, puxa assunto com ela.
- Eu puxo, mas mesmo assim eu percebo ela retraída, como se eu fosse atacá-la por qualquer palavra dita. - murmurei.
- Vi, tenha calma com ela, se ela for realmente aquele tipo de pessoa você vai perceber e se não for e você não tentar conversar, talvez perderá uma amiga.
- Hoje eu vou numa festa e ela também vai. O Murilo me disse que ela só vai porque eu vou, eu estou confuso, porque pelo jeito dela parece que ela não gosta de mim, mas o Murilo pega e me fala isso. - dei de ombros.
- Usa essa festa para vocês se conhecerem. Quem sabe ela não se solta mais?
- É, pode ser. - concordei.
- Agora me conta da sua mãe.
- Ela foi viajar, mas é tão difícil ficar sem ela. Não por faltar coisa, eu me viro para fazer comida e meu pai também me ajuda. O que faz falta é a companhia dela, a casa fica em silêncio, eu me sinto sozinho, mesmo eu me ocupando a maior parte do tempo nos estudos e o Murilo estando quase sempre lá.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Azul é a nossa cor
RomanceCostumo dizer que o autismo me prendeu em um corpo que eu não posso controlar, mas tudo bem, já tenho 18 anos e acho que posso conviver com isso por mais uns 70. Eu gosto do jeito que eu sou, afinal não sei como eu seria se não fosse eu, então prefi...