Vicente
Eu já estava ficando agoniado sem ir à terapia, meus pensamentos estavam confusos. Ana tirou quatro semanas de férias, portanto, já estamos na terceira semana do ano.
- Feliz natal e ano novo Vi. - ela falou assim que eu entrei no consultório.
- Pra você também Ana.
- Como você está? - sentou na poltrona de sempre e eu sentei na sua frente.
- Confuso. Meus pensamentos estão bagunçados, aconteceram muitas coisas.
- Então vamos organizar isso tudo. Por onde quer começar?
- Pelo natal. Fizemos um jantar em casa, como todos os anos, mas nesse a Laura foi. No amigo secreto eu tirei minha mãe, até comentei com você na última consulta, e a Laura me tirou. Ela me deu uma luminária de girassol e uma carta que dizia muitas coisas que me deixaram confuso. Então eu fui até o quarto dela e lhe dei um selinho, acho que não deveria ter feito isso.
- Por que acha isso?
- Porque eu nem perguntei se ela queria, só cheguei no quarto dela e beijei. Eu pedi desculpa e ela disse que estava tudo bem. - respirei fundo e continuei a falar sabendo o que ela iria perguntar. - Eu fiquei tranquilo em saber que estava tudo bem, mas na manhã do outro dia aconteceu uma coisa. Quando ela foi embora, eu estava indo para o meu quarto e escutei um barulho dentro do quarto hóspedes, entrei para ver e era o celular dela. Tinha uma mensagem falando sobre entrevista de emprego, eu fiquei com muito medo dela estar querendo ir embora e nunca mais ir lá em casa ou me ver. No outro dia a gente conversou e ela falou que estava procurando outro emprego por conta do salário. Mas eu fiquei com muito medo Ana.
- O medo é normal Vi, só precisamos saber controlá-lo.
- É, esse é o problema. Ela fez um treinamento numa empresa e foi contratada, começou semana passada. No penúltimo dia do ano nós fomos no show do melim, um presente que o Murilo deu pra Laura de amigo secreto. Ela me deu um abraço tão bom no show, confesso que amo o abraço dela, mas esse foi diferente. No outro dia aconteceu uma coisa, - me ajeitei na poltrona. - há dias eu tenho sentido vontade de saber como é beijar, eu perguntei pra Laura se ela me beijaria e ela aceitou.
- E então?
- Meu coração parecia que estava nos meus lábios. Nos beijamos após a virada de ano também agora eu sinto vontade de beija-la toda hora. - eu sorri.
- Então por hoje é só Vicente. - Ana disse olhando em seu relógio de pulso. - Nessa semana tenta entender seus sentimentos, o que você está sentindo hoje, esquece o passado. Quem sabe isso não te ajuda a organizar seus pensamentos. - sorriu. - Até semana que vem.
Essa "tarefa" é a melhor parte da terapia, porque é nela que você percebe sua melhora.
Eu me sinto muito mais leve. Todos deveriam experimentar a terapia com psicólogo, ela ajuda de uma forma inexplicável. Quando eu sai do consultório, torci a boca ao perceber o céu escurecer, com certeza logo viria chuva. Apressei meu passo para que ela não chegasse antes de eu entrar em casa. Minha mãe já estava me esperando na porta e sorriu quando me viu.- Achei que não daria tempo de você chegar antes da chuva. - ela falou.
- Eu vim rápido. - lhe dei um abraço após fechar a porta.
- O almoço já está quase pronto tá? - eu assenti. - Como foi na consulta.
- Foi bom, eu já estava sentindo falta. - dei de ombros. - Vou para o meu quarto.
- Te chamo quando ficar pronto. - se referiu ao almoço.
Assim que deitei na cama estendi meus braços para cima e coloquei minhas mãos em baixo da minha cabeça. Talvez eu pudesse responder aquela carta que a Laura me deu no natal, ela disse que nunca recebeu e eu posso usar isso como um pretexto para ela vir aqui em casa. Levantei da cama e fui até minha mesinha de estudos, peguei uma folha do meu fichário e apoiei na mesa para começar a escrever.

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Azul é a nossa cor
RomansaCostumo dizer que o autismo me prendeu em um corpo que eu não posso controlar, mas tudo bem, já tenho 18 anos e acho que posso conviver com isso por mais uns 70. Eu gosto do jeito que eu sou, afinal não sei como eu seria se não fosse eu, então prefi...