Capítulo 21

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Olá moras!
Nandinha aqui de volta trazendo um capitulinho fresquinho pra matar a ansiedade de todas.
Ouçam a música
Sem mais delongas, vamo pro capítulo!!!!


HEITOR

- Heitor? - a pergunta soou quando já estávamos a sós, Ludmila, minha nova secretária já havia deixado a minha sala.

Poucos momentos em minha vida causaram-me tanto pânico.
Essa era a sensação: total e completo pânico.
Esperei fielmente uma saída de emergência surgir em meu socorro, mas estávamos na vida real, esta em que é preciso lidar com os problemas e onde as mentiras não são eternas.
A partir do momento em que vi Mariana a minha frente, eu me arrependi amargamente por nunca ter lhe contado a verdade, de certo isso pouparia o meu desconforto e total desespero. Que ironia da vida, também.

- Heitor, é você? - a pergunta veio quando eu não consegui dizer nada.

A sensação era a de que tudo estava congelado. Eu, ela, o tempo, o maldito o universo. Meu sangue gelado corria por minhas veias e meu coração não estava em disparada de maneira boa, era de pavor. A ansiedade crescente em meu estômago não era aquela gostosa de sentir, era diferente, minha garganta estava travada.

- Você é o senhor Muller... - ela constatou, olhando em volta. - Você... É dono de tudo isso aqui, é o mandachuva. Céus! Você não é... - balançou a cabeça. - Porque mentiu pra mim? - de repente Mariana me encarou, eu podia ver em sua íris castanha as duvidas e a mágoa brilhando.
- Mari... Eu posso explicar. - consegui dizer finalmente. - Não é o que você está pensando.
- E o que eu estou pensando? - perguntou, cruzando os braços. - Porque agora pelo visto você advinha pensamentos? - pediu afrontosa.
- Realmente não sei o que você está pensando. - me adiantei. - Eu sei que é confuso e...
- Mais nada! - ela me cortou, meneando a cabeça. - Por isso podia fazer tantos passeios, comprar algumas coisas... - disse, como se constatasse um fato. - Por isso o carro de luxo e tudo... Você é podre de rico. Achou que podia comprar a gente, Heitor? Ou devo dizer, senhor Muller?
- Comprar vocês? - perguntei espantado demais. - Claro que não, Mariana. Muito pelo contrario. - meneei a cabeça.
- Eu não quero ouvir sobre isso. Acho melhor eu ir embora. - ela disse, recuando. - Pensei que esse trabalho poderia mudar a minha vida, mas vejo que me enganei.
- Não faça isso, sei o quanto você quer. - lhe pedi.
- No momento, a única coisa que eu quero, Heitor, é ficar longe de você!

Furiosamente, Mariana saiu da sala num piscar de olhos. Eu não podia acreditar que tudo estava desmoronando assim. Respirei fundo, indo atrás dela imediatamente. Saí da sala e Ludmila me olhou assustada.

- Para onde ela foi? - perguntei.
- Saiu pelo corredor da direita, senhor. - respondeu-me.

Segui a direção e a encontrei conversando com Ângela. A mulher carinhosa tentava acalmá-la e eu parei, olhando de longe a cena. Mariana falava gesticulando, e a diretora de RH alisava seu braço. Por fim, ela me viu espreitando, Mariana olhou para trás e soltou um suspiro.

- A senhorita Silva só está nervosa, senhor Muller. Logo ela volta, porque o senhor não fala com o próximo candidato enquanto ela toma uma água?
- Tudo bem, Ângela. - respondi e encarei Mariana. Ela desviou o olhar e virou-se novamente.

Merda.
O que foi que eu fiz?
Soltando um longo suspiro, voltei para a minha sala. Ludmila entrou com o próximo candidato e eu me esforcei para prestar atenção na última etapa de seleção daquele rapaz. Ele parecia nervoso, mas também era competente.
Após a entrevista com ele, Ludmila telefonou, avisando que Mariana voltaria a entrar em instantes. O que veio a acontecer pouco depois. Ela invadiu a sala e respirou fundo.

- Ângela me convenceu de que isso era uma boa ideia.
- E ela não errou. - lhe garanti. - Fique. Vamos fazer essa parte da entrevista e então poderemos conversar sobre tudo depois. Com calma.

Ela pareceu ponderar o meu pedido. Eu não queria estragar nenhuma oportunidade de sua vida, pois Mariana só merecia o melhor. Sempre. Sabia que se ela ultrapassasse aquela porta, não mais voltaria. Pelo contrário, iria retornar a lanchonete e viver no limite, como vinha fazendo desde que lhe conheci. Não que o trabalho não fosse digno, muito pelo contrario, mas Mariana tinha potencial para muito mais.

- Tudo bem. - ela aceitou por fim, sentando-se na cadeira indicada. - Mas faremos a parte da entrevista. E isso é tudo. - disse, sem me olhar.

Eu não protestei, ela tinha o direito de estar chateada comigo, afinal lhe mentira basicamente tudo da minha vida desde que a conheci. Suspirei e iniciei, de maneira profissional, a minha parte. Ela parecia travada, mas respondeu perfeitamente todas as questões que eu lhe fizera.

Mariana era um gênio na área de programação. A sua prova havia sido sensacional, algo que impressionou a todos, os outros candidatos também foram bem, afinal foi uma grande seleção com mais de trinta pessoas, onde apenas sete foram selecionados para compor o novo setor, e Mariana estava entre elas, sendo na verdade a única mulher.

- Sua pontuação foi incrível. - elogiei por fim. - E você seria uma excelente adição para o time da SM Interprise, gostaríamos de te contratar. - falei.
- Agradeço pela oferta. - ela levantou-se.
- Você não vai aceitar? - perguntei com medo diante da sua resposta.
- É possível. Estou em duvida, e muito confusa. - balançou a cabeça.
- Mariana...
- Eu falo com a dona Ângela, afinal ela é do RH não é? Responsável por essa parte... - disse começando a andar. - Por favor, permaneça longe. - pediu.
- Mariana! - chamei, saindo de trás da minha mesa. - Escuta, vamos conversar. - pedi, me aproximando.
- Não tenho nada para falar com você Heitor. Porque quanto mais eu penso sobre suas mentiras, mais me decepciono. - falou e eu segurei seu braço.
- Não é assim, como você pensa. Eu tive meus motivos, se você me der a chance... - abaixei a cabeça, encostando minha testa na sua. Senti que ficou vulnerável, senti sua respiração descompassada, afinal nada do que eu vinha sentindo nos últimos tempos era sozinho, ela também estava sentindo. E com certeza meu toque provocou-lhe alguma coisa, como acontecia sempre que era ela que me tocava.
- Quais motivos? - perguntou, me olhando no fundo dos olhos. - Você queria nos comprar ou tem vergonha de nós? Por que Liz e eu somos absolutamente nada perto de tudo isso aqui. - então nossos narizes se encostaram. - Eu sempre fui transparente, Heitor, e você colocou uma tela negra em tudo. - fugazmente livrou-se do meu toque. - Por favor, não nos procure mais. - pediu novamente e então saiu da sala pela segunda vez durante a ultima meia hora, me deixando completamente sem chão.

Elas eram tudo pra mim. Como eu conseguiria lidar com isso? Respirei fundo, olhando para a porta aberta. Era como se o mundo estivesse se despedaçando aos poucos e eu não podia deixar que isso acontecesse.


- Não me diga que agora a empresa está com cotas! - a voz irônica do meu pai soou e eu nem tinha notado a sua presença.-
- O que você quer, pai? - perguntei, enfadado.
- Vi uma negrinha saindo daqui agora, é candidata ao que? Auxiliar de serviços gerais? - me perguntou com um sorriso.

A sua pergunta carregada de preconceito e racismo meu deu ânsia de vômito. Esse homem era real? Ele era mesmo o meu pai? A gente possuía realmente o mesmo sangue?

- Não. - respondi, tentando conter minha raiva. - Ela é uma das novas programadoras.
- Ela? - perguntou retoricamente, fazendo uma careta. - Mas não tinha ninguém melhor?
- Pelo que me parece não!
- Heitor, essa moça negrinha não está no mesmo patamar ou a altura da SM. - me disse, um tanto espantado. - Filho... Você ficou doido? Somo obrigados a contratar deficientes, ok. Mas negros? Negros não.
- O que tem o fato de ela ser negra, pai? - perguntei, alto e furioso. - Seu racismo velado nessas palavras imundas me dá nojo. A Mariana é altamente competente e será uma soma inigualável para a empresa, consequentemente para seus lucros. Agora para de tirar minha paciência e cai fora! - pedi, apontando para a porta.
- Olha como fala comigo, moleque! - resmungou irritado. - Você não sabe de nada, Heitor, nada!
- Eu sou mais humano que você, logo acredito que sei sim, pai, de muita coisa. Agora, faça-me o favor de me deixar sozinho. - voltei a pedir.
- Me envergonha o fato de você ter saído totalmente fora da curva... - meneou a cabeça. - Seu irmão, certamente, não teria me dado tanto desgosto. Me pergunto todos os dias porque ele e não...
- E não eu? - terminei sua frase. A cólera presente em seu olhar, refletia o meu. Respirei fundo, trincando meus dentes. - Eu me faço a mesma pergunta todos os dias.

Ele não me disse mais nada. Apenas me encarou por alguns longos segundos, antes de sair do meu escritório de uma vez. Odiava o fato de o meu pai tornar tudo mais doloroso e de como ele me deixava vulnerável.
Odiava ainda mais porque mesmo depois de tantos anos, ele nunca foi capaz de me perdoar. Engoli em seco o choro que arranhou a garganta e a alma. Soltei uma lufada pesada de ar e puxei meus cabelos com força, queria gritar. Vi o porta retrato de dois garotinhos felizes e o esmurrei com força. Joguei toda a papelada no chão e quando respirava cansado, desabei na cadeira.
Porque nada podia realmente dar certo? Porque eu sempre, sempre fazia tudo errado? Maldição!

Eu não tive mais clima para ficar na empresa. Nos últimos dias estava animado porque estava tocando meu projeto sem a interferência do meu pai e, de quebra, ainda tinha as minhas princesas. De uma hora para outra, tudo parece que mudou e no instante, não tenho mais nada.
Só que eu não desistiria tão fácil. Não mesmo.
No horário que Liz saía da ONG, eu estacionei o carro na porta. Ainda chovia fervorosamente e eu vi Mariana protegida por um guarda-chuva amarelo, saindo com a minha pequena luz pelo portão.
Eu saí do carro e interceptei o caminho.

- As princesas querem uma carona? - perguntei.

O rosto de Liz iluminou-se, Mariana por outro lado me encarou de maneira assassina.

- Príncipe Thor! - Liz disse feliz, saindo de debaixo do guarda-chuva e vindo me abraçar.
- Liz! - Mariana brigou, nos cobrindo. - Elizabeth! Você se molhou toda, garota.
- Desculpa, princesa Mari. - pediu com aquela voz fina e encantadora que apenas ela possuía. - Mas a gente aceita sua carona, o céu tá caindo!
- A gente não aceita. - Mari disse em cima. - Vamos logo para não perder a condução.
- Mas Mari! - a pequena protestou, sem entender nada.
- Mas nada, Liz! - rebateu incisiva. - E você, achei que havia sido bem clara! Não te quero mais perto de nós!
- Eu não vou desistir tão fácil assim, Mari. Você precisa me ouvir, precisamos conversar. - lhe disse, alisando o bracinho de Liz que estava em volta de mim. - Eu tive minhas razões.
- Elas pouco me importam agora, cara. - disse cheia de raiva. - Sério, sei que você pode comprar o que quiser, mas isso aqui... - apontou para a irmã. - Não. Não está a venda. - fechou os olhos e respirou profundamente. - Vem, Liz, anda! A gente vai perder a condução! - voltou a dizer, puxando a pequena com certa força.
- Mas Mari! - Liz retrucou. - É o príncipe Thor. É o nosso príncipe, que sempre salva a gente de tudo, que nos faz feliz.
- Ele está mais para sapo Thor. - me encarou. - Ou o grande Thor mentiroso.
- Do que você está falando? - Liz pediu.
- Vamos embora, agora! - desviou de mim, tirando o guarda-chuva e puxando Liz para segui-la.

A minha pequena olhou para trás, sem entender nada, mesmo que seus pezinhos seguissem a irmã. Isso me despedaçou um pouco mais.
Eu queria dizer tantas coisas a Mariana. Fazê-la entender meus motivos, mas não estava fácil. Meu mundo inteiro estava desmoronando e eu não sabia o que fazer.

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PEGANDO MEU BANQUINHO E SAINDO DE MANSINHO

Na luz do seu olharOnde histórias criam vida. Descubra agora