Quinta-Feira

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 Ravi apareceu às sete e meia. Enquanto caminhávamos para a escola, passei o nome da assassina e de como Sarah chegou até ela.

— Nora? Totalmente fora de suspeitas. — ele falou.

— Pois é, mas tudo leva até ela.

— Por que ela faria isso?

 Dei de ombros.

— Ela é meio maluca.

— Mesmo assim. Ela é uma garota, garotas não matam gatos.

— Nunca se sabe, garotas são cruéis.

— Opa, meu radar de ‘’assunto Isla’’ está apitando.

— Não é sobre Isla, é sobre todas as garotas.

 Quando chegamos ao Eureka, decidimos seguir Nora para estudar seu comportamento. Antes do primeiro sinal, entre as aulas e no refeitório assistimos ela provocar uma dúzia de pessoas, socar armários, derramar refrigerante nas cadeiras para molhar as calças de alguns distraídos e pichar ‘’Katy Moore tem bigode de morsa vadia’’ na calçada da escola.

— Como uma morsa pode ser uma vadia? — Ravi perguntou quando estávamos nas arquibancadas, enquanto Nora jogava voleibol na quadra.

— Saindo com morsas casados.

— Fala sério, a gente seguiu essa maluca o dia todo e não deu em nada. O que esperávamos? Que ela matasse outro pobre felino e o amarasse por aí?

 Ravi se deitou no degrau de cima e eu no de baixo. Encaramos o teto por um minuto.

— Nem sei o que esperava. Acho que vou encerrar o caso assim. Não quero ser Sherlock Holmes, quero ser apenas... — ali estava o problema, como eu poderia nomear a mim mesmo se não tinha um nome?

 Alguém começou a mexer em uma mochila atrás da minha cabeça, fazendo sombra sobre mim.

— Não foi de todo mau. — continuou Ravi. — Foi legal estudar o comportamento de um búfalo em ambiente escolar. Talvez eu faça um trabalho de biologia com isso e ganhe um A. ‘’O búfalo Nora Vanderbilt possui um comportamento agressivo e igualmente perturbado. Indo de quebrar os ossos de calouros indefesos a mastigar os panfletos no mural da secretaria’’.

 Eu comecei a rir, mas parei ao ouvir alguém bufar. Olhei para trás, encontrei Nora a dois passos de distância. Ravi não teve chance de se defender. Nora mirou um soco esmagador no estomago dele. O indiano se encolheu como aquelas camas dobráveis e, antes que pudesse recuperar o ar, a garota lhe deu um golpe de Taekwondo e o jogou pelas arquibancadas. Ravi rolou por meio lance de degraus como um boneco de pano e aterrissou no chão com um baque surdo.

— Ficou maluca?! — gritei, correndo para baixo. Cheguei até Ravi temendo que ele houvesse se juntado ao reino de Radha, ao lado de Mussolini, mas o escutei gemer.

— Ravi? Eu, eu vou chamar alguém! Não se mexa! — peguei o celular sem saber se ligava para a emergência ou para a enfermaria da escola.

— York... — ele começou a se mexer, mas o segurei no lugar.

— Não se mexa! Uma costela quebrada pode perfurar um órgão! O que tá doendo?

— O que tá doendo? Tudo. Até minhas sobrancelhas.

 Mesmo com meus protestos, ele virou de barriga para cima.

— Meu braço tá me matando.

 Alguém acabou por chamar os enfermeiros. Eles imobilizaram Ravi e o levaram. Antes de ir para a última aula descobri que o haviam levado para um hospital.

 Passei toda a aula de geografia revezando entre me preocupar com Ravi e rir internamente ao lembrar dele rolando pelos degraus. Por fim, o sinal tocou. Joguei os livros na mochila, coloquei no ombro e saí da sala. Procurei o celular e comecei a discar o número do hospital.

— Ei, York! — Isla barrou meu caminho.

 Baixei o celular para encará-la por um minuto inteiro. Depois voltei a caminhar. De alguma forma acabei caindo no chão. Apoiado nos cotovelos, vi que foi no tênis meio sujo dela que tropecei, e apostava que ele não foi colocado no caminho por coincidência.

— Quero saber do Ravi. Ele tá bem?

— Por que se importa? Melhor, por que finge se importar? — perguntei levantando.

— Não estou fingindo.

— Faz o que quiser, eu preciso ir até o hospital.

— Diz pra ele que eu...

— O quê? Que deseja que ele se recupere logo para que possa voltar para o grupinho dos estranhos?

— Não. York, aquilo no refeitório não foi...

— Seu lado hipócrita aflorando?

 Aquilo a fez se calar. Antes que ela recuperasse a voz, dei as costas e fui embora.

 O diagnóstico de Ravi foi bom. Ele poderia ter quebrado o pescoço ou ganhado uma concussão, mas acabou com um braço machucado e algumas escoriações. Eu recebi permissão para entrar às quatro e meia e o horário de visitas acabava às cinco.

 Ravi estava com o braço enfaixado por cima da barriga e uma expressão ausente.

— E aí, cara? — perguntei parando próximo a seus pés. Os olhos dele se arrastaram até mim.

— Essas drogas que me deram são demais. Juro que vi o Hagrid passar com sua motocicleta por essa janela agora mesmo.

 O quarto nem tinha janelas.

— Você está horrível.

— Ainda estou mais bonito que você.

— Se serve de consolo, sua queda foi bem engraçada.

— Talvez você deva experimentar.

— Tenho uma dúvida. O seu braço foi quebrado na queda ou pelo golpe sensacional de Nora? E já que estamos falando nisso, como é levar uma surra?

— Espero que você tenha uma morte horrível. — disse, bocejando.

— Também amo você, querida.

— Vou apagar em três segundos.

— Não vou fazer seu dever de casa só porque tá com o braço enfaixado.

— Um...

— Também não vai ganhar tratamento especial nem nada.

— Dois...

— E muito menos vou ajudar você no banheiro. Antes coloco meus braços na máquina de picotar papel.

— Três. Adeus.

 E ele apagou.

No NameOnde histórias criam vida. Descubra agora