Capítulo 4: Um lugar tranquilo

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Se você acha que quando Adam se referiu aos hambúrgueres do Joe estava falando de um fast food de esquina, bem, você errou perdidamente, ou ainda de uma hamburgueria gourmet, não poderia estar mais enganado. E, para ser sincera, não trocaria as delícias do Joe por nenhuma das duas opções. O apetitoso hambúrguer em questão vem de uma lanchonete simples que pertence a um homem chamado Marcus... o pai dele se chama Joe, daí o nome da lanchonete. Como eu disse, a lanchonete não era chique, mas te conquistar inteiramente pelo ambiente bem humorado e a comida fantástica.

Nós três íamos ali há alguns bons anos. Tudo começou quando nossos pais ficaram responsáveis por nós, e as mães de meus amigos e minha tia saíram em uma noite de garotas. Chegou a hora do jantar e eles não sabia o que nos dar, ficaram rodando pela cidade até que acharam esse lugar, desde então nossas visitas semanais começaram.

Entramos pela porta e eu senti o cheiro de carne na chapa, minha boca salivou e todos os meus outros sentidos ficaram com inveja do paladar.

— Meninos, quanto tempo! Eu já estava ficando com saudades. — disse Karen, a esposa de Marcus, com seu sotaque latino e veio de trás do balcão nos abraçar balançando seus cachos negros.

— Olá, Karen. É verdade, eu também já estava com saudades! — eu disse com um sorriso no rosto.

 Depois disto o que se seguiu foi um monte de "como você cresceu" e "acho que você está mais magra" por parte de Karen. Fomos então em direção a última mesa, Karen dizia que ela já era nossa de tanto que ficávamos nela, talvez a tenhamos escolhido por ser uma das mais confortáveis ou talvez por ficar debaixo de uma janela, uma possível rota de fuga e encostada em uma parede, um lugar seguro, enfim, era lá que sempre íamos.

Sentei ao lado de Ava no banco encostado na parede e pude ver a lanchonete toda. Havia um balcão que seguia quase todo o comprimento do local com a cozinha atrás, e as mesinhas do lado oposto, ao meu lado direito. Do meu lado esquerdo depois do balcão, ficavam duas máquinas de jogos. Todas as mesinhas tinham um banco de cada lado e um banquinho a frente. O ambiente todo era bem iluminado.

Não demorou muito para que Karen viesse trazendo uma bandeja com nossos lanches. Não havíamos pedido nada ainda, entretanto, aquilo não era nenhum pouco incomum, pois toda vez que vínhamos aqui pedíamos a mesma coisa.

— Três X-burguers, uma limonada com gelo e açúcar para o Adam, uma com açúcar e sem gelo para Ava e uma sem açúcar e com gelo para Su. A torta de mirtilo vem daqui a pouco.

— Obrigada, Karen, você sempre nos atende perfeitamente. — falou Ava.

— Ah, isso não é difícil. Vocês são os meus melhores clientes! — respondeu ela e depois voltou para a cozinha. O salão estava começando a ficar cheio de pessoas.

Começamos a comer, e em pouco tempo os hambúrgueres não eram mais que algumas migalhas. Conversamos sobre coisas triviais até que eu notei que um motoqueiro enorme de cabelos negros estava com os olhos cravados em nós, ele estava sentado nos banquinhos do balcão, e comia uma porção de fritas, mas de jeito nenhum tirava os olhos de nós.

Olhei pela janela e falei casualmente.

— Ava, você percebeu que aquele homem está olhando para nós a um tempo considerável? — me dirigi a ela pois Adam estava de costas para o homem que eu havia me referido.

— Percebi sim, agora o porquê, eu não faço a mínima ideia.

Quando trocamos as últimas palavras, Adam havia ficado inquieto com um riso preso no canto da boca.

— Adam, quem é esse homem? — eu falei diretamente, sabia que ele estava escondendo alguma coisa.

— Por que você acha que eu o conheço? — falou ele, tentando parecer descontraído.

— Não sei ao certo, digamos apenas que você parece suspeito.

— É, nem olhou o homem. — falou Ava com um sorrisinho.

Eu e Ava ficamos encarando Adam, nossos olhares quase que o penetrando, até que ele falou:

— Tudo bem, tudo bem, eu conto...— eu e Ava trocamos um pequeno olhar de vitória. — Na última vez que eu vim aqui, peguei um café e um pedaço de torta. Quando eu estava saindo, sem querer derramei meu café nele, na entrada. Eu estava atrasado para uma reunião na AIDEM e não tive muito tempo de me desculpar... Acho que ele não é muito de perdoar.

Nós duas nos entreolhamos novamente e tentamos nos segurar para não rir, pois aquela situação era realmente cômica. Apesar daquele homem ser um verdadeiro gigante, Adam não era nenhum desprotegido, ele derrubaria o homem facilmente, mas nós três não éramos de procurar brigas, elas deveriam em todo caso ser a última coisa a se recorrer.

— Não é para rir, viu? — falou Adam.

— De jeito nenhum, meu caro amigo. — disse eu, me segurando para não rir com uma dificuldade ainda maior.

Ava não conseguiu fazer a mesma proeza e soltou uma gargalhada, e então todos nós também rimos.

Karen veio trazer nossa torta, a qual estava como sempre perfeita, crocante por fora e o recheio muitíssimo úmido.

Quando já estávamos nos arrumando para ir embora, Adam saiu para pagar a conta no balcão, então o motoqueiro que por tanto tempo havia nos encarado se levantou de seu banquinho — que estava um pouco longe de onde Adam estava —, e começou a andar em sua direção. Eu fiquei apenas olhando tudo aquilo, sabia que Adam não levaria uma surra, mas uma iminente luta não era a melhor forma de passar o almoço. O homem continuou a se aproximar, de uma maneira rápida, cobrindo o território que os afastava em uma ligeira sucessão de tempo. Ava também percebeu a situação e ficou observando.

E então o homem chegou onde meu amigo estava e o tocou no ombro, Adam virou e eles conversaram. Depois de alguns momentos, que digo de antemão foram por mim passados com um misto de preocupação e curiosidade, o homem foi embora, não sem antes lhe entregar alguma coisa que não pude ver e Adam voltou a nossa mesa, após haver pagado a conta, com uma expressão sem emoções ou indícios do que poderia ter acontecido. Eu não suporto quando ele usa essa expressão conosco, apesar de ela ser muito bem-vinda em missões.

— Diga logo, o que ele lhe falou? — falei curiosa.

— Será que eu conto mesmo? — disse Adam com uma sobrancelha arqueada.

— Fale logo, Adam! Acho que você tem lido muitos mistérios, a vida nem sempre é um, sabia? — dessa vez foi Ava que verbalizou nossos pensamentos. Adam sempre gostava de guardar os segredos para nos matar de curiosidade.

— Okay, okay, eu digo. Vocês duas estão andando muito curiosas. — disse ele, com um sorriso divertido no rosto. — Ele não havia ficado com raiva, ficou me olhando hoje porque na correria daquele dia eu acabei deixando cair o meu livro de bolso — continuou ele mostrando uma versão compacta de "20 mil léguas submarinas" de Júlio Verne. — E não veio antes porque não sabia se era mesmo eu. Ele é míope, o que também justifica o olhar centrado em nós.

— Ah. — disse eu pensativa. — eu nunca imaginaria isso.

— Não julgueis. — falou Ava.

— Para não serdes julgados — completou Adam

Às vezes julgamos as pessoas antes de verdadeiramente conhecê-las. Julgamos pelo que achamos que sabemos sobre elas, apenas pela nossa ótica muito embaçada de ver o mundo, dando lugar a estereótipos ao invés de dar-lhes a oportunidade das pessoas mostrarem quem realmente são. Jesus, ao contrário do que muitas vezes fazemos, não julgava as pessoas, antes, dependia do Espírito Santo para em tudo poder discernir, e mesmo quando as pessoas não mereciam Ele exercia amor e misericórdia, o que de fato é uma grande lição para todos nós.

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