Camila
O departamento de polícia de Miami era bem diferente do que Camila imaginava. Em Boston, as coisas eram mais calmas. A bagunça dos setores – se é que organizavam setores ali – era insuportável. Aqueles que não estavam correndo com papéis nas mãos estavam gritando no telefone ou sendo mais práticos e gritando com algum outro colega.
- Posso ajudar senhorita? – Camila assustou-se quando um homem colocou a mão em seu ombro. Ele era alto, barrigudo. Usava um terno preto e gravata azul de bolinhas, tinha o cabelo um pouco branco e aparentava no mínimo cinquenta anos.
- Acho que sim. Sou Camila Cabello, prazer. – ela estivou a mão e cumprimentou o homem.
- John Kayne.
- Bom senhor Kayne, eu fui transferida pra cá de Boston.
- Ah, claro. Houveram muitas transferências ultimamente... Qual sua área?
- Detetive. – o homem fez sinal para que Camila o acompanhasse e assim ela fez. Passaram por toda a bagunça até chegar na sala do delegado. Uma placa com o home dele estava presa à porta, “Jim Hayes”. Entrou na sala e esperou por alguns minutos que o senhor Hayes chegasse, só então se deu conta de que estava faminta. Camila acordou às 7:00 e nem se deu ao trabalho de tomar café. Pegou um táxi e foi o mais rápido possível para o departamento. Cinco minutos depois o delegado chegou, era mais magro que John. Usava um terço cinza e gravata vermelha, era grisalho e bem atraente.
- Senhorita Cabello, é um prazer. – apertaram as mãos e ele sentou-se à sua frente – Me falaram muito bem de você, digo, o pessoal de Boston. – Camila não sabia o que falar, sempre que recebia elogios ela deixava passar, não que fosse tímida ou desconsertada, mas “obrigada” sempre lhe parecera muito egocêntrico quando se tratam de elogios de pessoas que nem mesmo conhecia – Me asseguraram que é uma das melhores detetives já vistas por lá, devo acreditar?
- Acho que meu trabalho lhe dirá isso, senhor Hayes. – o homem riu e tomou um gole de seu café, mordendo um pedaço da rosquinha. Camila sempre achara um fato interessante sobre os policiais da Flórida, comer rosquinhas todos os dias era como uma lei para eles e, se infringissem, seriam demitidos ou presos. Ela não tinha certeza se queria comer rosquinhas todos os dias, na verdade a garota era mais adepta às panquecas.
- É ousada. Gosto disso, Camila. – ela sorriu de canto e ele limpou a boca com um guardanapo – Mas falando sério, sem nenhum tipo de intenção por trás disso. Nós precisamos de bons profissionais aqui, o crime em Miami, principalmente o crime organizado, as quadrilhas e gangues... Está fora de controle, Camila. Metade dessa delegacia não sabe pois não queremos ceder qualquer tipo de material para a impressa, mas estamos sufocados. O motivo de eu ter conversado com delegados de todo o país pedindo profissionais aqui é, na verdade, por causa de um dos meus maiores medos.
- Que seria...
- Disfarces, senhorita Cabello. Eu posso lhe assegurar que pelo menos 5% dessa delegacia são pessoas de quadrilhas infiltradas aqui dentro e outros 5% são policiais corruptos que negociam com certos bandidos.
- Então você decidiu trazer gente de fora porque essas pessoas teriam menos chances de conhecer alguma quadrilha de Miami. – Camila se sentiu estúpida por completar aquilo já que era mais que óbvio.
- Preciso de gente nova, gente que eu não desconfie. – a postura do delegado era, antes de mais nada, confiante. Camila havia conhecido poucas pessoas confiantes daquela maneira, até mesmo seu olhar lhe passava algum tipo de certeza que ainda não sabia qual era.
- Eu entendo. E qual seria meu trabalho aqui, senhor?
- Ainda não tenho certeza, pensei em algumas possibilidades... Depois de estudar seu currículo e os casos resolvidos, creio que tenho um trunfo muito bom aqui, senhorita Cabello. Não quero desperdiçá-lo. – ficaram alguns segundos se encarando e Camila encostou-se nas costas da cadeira, apoiando uma perna em cima de outra e dobrando os braços.
- Fui mandada para cá porque estão precisando de ajuda, senhor Hayes. Não me importo com qual caso pegarei, aprenderei a lidar com ele. Não me poupe apenas porque eu sou jovem demais, ou até mesmo porque sou uma garota. – o homem continuou encarando Camila por mais alguns segundos.
- Me conte uma história e durante ela invente e minta alguns detalhes. Qualquer história. – Camila achou que o homem estivesse ficando louco, mas obedeceu.
- Quando eu tinha sete anos eu ganhei um cachorro e chamei ele de Ruffles, ele era marrom e feio. Na verdade era horrível, parecia um daqueles cachorros de mendigos, magricela e com os olhos maiores que o resto do corpo. Eu detestava aquele cachorro, tinha um nojo absurdo de pegar sarna, pulga, ou qualquer coisa que aquela peste passasse. Ele também me odiava, quando não estava rosnando estava mordendo e rasgando minhas coisas. Todos os dias eu rezava para que um caminhão passasse em cima daquela praga. Um dia Deus atendeu minhas orações. – Jim olhou para Camila e tirou da gaveta esquerda da mesa algumas fichas criminais, por volta de oito delas. Entregou-as à garota e recostou na cadeira.
- Quero que você estude todas essas fichas, são alguns bandidos de Miami, não são muita coisa mas... É um bom começo.
- Vou fazer isso agora.
- Não. Não aqui. Leve-as para casa e saia da delegacia por essa porta atrás de mim, não quero que a vejam aqui ou memorizem seu rosto. Volte amanhã e dois quarteirões antes de entrar aqui me ligue, o número está em um papel dentro da primeira ficha. – Camila não entendi aquilo, mas obedeceria. Ela sempre aprendera a escutar ordens e executá-las em silêncio, sem questionamentos. Mas, esse fato não tirava-lhe da cabeça que Jim Hayes era maluco.
- Mais algo? – perguntou, levantando-se e carregando os arquivos.
- Qual era a parte da história que você mentiu? Ele não chamava Ruffles, certo?
- Senhor Hayes...
- Hm?
- Essa foi a única verdade da história. – e abriu a porta dos fundos, saindo da delegacia. Tomou o primeiro táxi que viu e foi para casa.

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Misery (Camren)
FanfictionNossos pensamentos não estacionam, nossos desejos variam, o certo e o errado flertam um com o outro, não há permanência, tudo é provisório, e buscar um porto seguro é antecipar o fim: a única segurança está na morte, será ela nosso único endereço de...