A livraria

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      Sentada na livraria falida eu tento estudar. Tento, tento, tento. Mas as palavras continuam insistindo. Batendo nas paredes do meu corpo, sabem que não vou abrir a boca, escolhem sair de outra forma, talvez a pior e mais eterna de todas, saem pelos dedos. Ultimamente não ando sentindo o tempo, ou talvez esteja o sentindo em sua essência, os segundos se arrastam por mim, a noite nunca chega, e quando chega, me banha com sua eternidade dramática. Eu acordo de madrugada, tenho sonhos estranhos, e me perco dentro de mim.

Noite passada sonhei com baratas, saíam de uma cortina caída, eu tentava arrumar, colocar o pano no gancho e cobrir a janela, mas elas subiam de todos os lados. E eu só acordo. Não me assusto, não suspiro, só tento voltar a dormir. Acho que já estou me acostumando. Mas os pensamentos vem, e eles ocupam tanto espaço, e não consigo abrir a boca para falar, eles entopem minha garganta e amarram meu coração. Voltas e mais voltas que não consigo desatar. Então penso em mim, e penso nele, e penso em todas as outras, e penso em todos os outros. E só queria fugir, ou me sentir suficiente mesmo sabendo que sou, eu quero me esconder de todos. Andar na rua sem ser vista. 

Fui para a faculdade sem maquiagem. Isso só me fez me sentir mais calada. 

Então comprei maquiagens novas e passei todas de uma vez, e ainda não me sinto menos pesada. É o cansaço, a vontade de sorrir e de contar tudo perseguida pelo medo do outro. As pessoas que de tão comum são estranhas. Saí sem celular, errei o caminho, deixei o carro morrer três vezes, esqueci de comer, não bebi mais café. A vontade de chorar não passa. Mas não é tanto de tristeza quanto de necessidade.

Talvez esteja tendo outro encontro com o real. Mais um, ainda está leve. Não sei se posso chamar de recaída. Minha pele firme e macia, meus seios fartos, o cabelo longo e negro, os olhos grandes e esverdeados. A postura, os cuidados sem fim, os cremes e hidratações. Sempre constantes sustentam uma forma que se desfaz, a minha beleza sufoca a minha angústia? Quais são as verdades das quais Deus me poupa? Minha vida tem mais áreas de atuação das quais posso suportar fora do estado de mania, amor, o estudo, os pais, os cuidados, os afazeres, o dinheiro, o espírito, a família, a saúde... Ah, são infinitas as gerências de algo que, no fim, está condenado à falência. 

Mas, certa de toda certeza que a finitude nos convém, ainda me levanto de manhã, e lavo meu rosto, essa moldura que se faz de capa, quase prefácio do que eu me sou, e continuo. Não se pode parar. Não se pode parar....

Mariposas por todos os ladosWhere stories live. Discover now