Ele andava rápido, deslizando os sapatos emborrachados no piso quadriculado listrado. Manejava habilmente uma bandeja em uma das mãos. Seu avental preto carregava um tufo de canudos em um bolso e açúcar e sal, no outro. Blusa listrada, calças jeans surradas. Cabelo com gel. Algumas espinhas perto da testa.
- Boa noite, o que deseja? – Sorriu forçado.
- Uma história, por favor. – Disse o senhor, ajeitando os óculos sob o nariz pontudo.
- Como?
- Umas das boas, com um pouco de romance, e uma excelente moral. Rápido. Se possível.
O sujeito falava sério, como quem faz o mesmo pedido todos os dias, com pressa. Cabelos meio cinza, algumas rugas ao redor dos olhos. Blusa de gola alta, mãos polidas. Boca reta.
- S-senhor, aqui é um restaurante! Servimos comida!
- Então traga logo minha história!
- Não posso! Só posso te trazer coisas de "COMER ".
- Eu me alimento de histórias, e estou com fome.
- Olha, se é isso, eu não posso fazer nada senhor, devia ter " comido" em casa...
- Eu tentei! Mas não consigo preparar mais nenhuma sozinho! Ande logo, já disse que estou com fome!
- Mas eu já disse que não temos isso aqui!
- Você acha que eu não posso pagar, vocês não me enganam! Por acaso você é algum tipo de comunista? - Cerrou os olhos, com um rosto duvidoso.
- Quê?! Não! Olha, só pede alguma coisa do menu, meu gerente já tá olhando...- olhou impaciente para o gerente que observava no canto.
- Você não vai me enganar! Só saio daqui depois de comer! Nem tente me corromper! Seus fascistas malditos...-sussurrou baixinho.
- Meu senhor, me desculpa, já estou aqui o dia inteiro.- esfregou a testa- Pra ser sincero eu nem gosto desse lugar! Só tô aqui por causa do aluguel, tive que trancar a faculdade, não durmo a dois dias, meu vizinho maravilhoso não sabe a diferença entre falar e gritar, peguei minha namorada com o meu amigo, que por acaso, era o "professor de pilates da academia'' e, pra completar, só tem miojo na minha despensa. Eu só quero, por favor, que esse dia acabe. Tirar esses sapatos suados, receber as minhas gorjetas e ir pra casa chorar sozinho assistindo algum programa ridículo do sbt. É pedir demais?
- Nossa, sem nem uma introdução de entrada, e com uma sobremesa tão dura...
- O quê?
- Mas foi bom, obrigada.- jogou algumas notas amassadas em cima da mesa. Levantou-se e dirigiu-se a porta.
- Eu maneiraria no drama, ficou meio aguado. Mas, é o que temos para hoje! – Esboçou um sorriso- Vou te recomendar para os meus amigos! – Acenou e foi embora.
O jovem ficou parado, observando a cena de boca semiaberta. Pegou o dinheiro, contou as notas, enfiou no bolso. Era uma boa quantia.
- Esses poetas...

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Mariposas por todos os lados
PuisiO sentir de ser tudo e ainda não aguentar suportar o nada.