¤ capítulo 37.

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O dia das desculpas.

#ClichéTheory

É um péssimo dia para se tirar fotos.

É o que penso, enquanto a maquiadora da equipe de Marilu, passa o pincel macio sobre minha bochecha.

Porque além do frio que faz, como típico fim de agosto, eu ainda estou abalada pela forma em que a festa terminou no sábado. Abalada não é o termo certo, a palavra certa para tal sentimento é revolta; estou revoltada por saber que a richa idiota entre o Santa Amélia e o São Vicentino chegou nesse ponto ridículo de agressão; e ainda mais revoltada em saber que o "roubo da santa" foi só uma justificativa boba que acharam para justificar o crime que cometeram. Sim, crime.

Após Lamar recobrar a consciência, ele relatou que o motivo inicial da discussão foi sim o tal roubo da santa, mas logo em seguida várias ofensas relacionados a sua cor de pele foram proferido, insinuando que ele a havia roubado e isso gerou a briga que acabou com ele no hospital.

- Vocês deveriam prestar queixa. - sugeriu Noah, me abraçando por trás, naquela noite de sábado.

Lamar não teve nenhum ferimento grave; seu desmaio foi causado pela dor das agressões, no fim só alguns hematomas e cicatrizes que marcam sua pele, essas irão sumir aos poucos, mas as da sua mente, vão demorar muito mais para sumir. Ele já havia sido liberado antes das duas da manhã, mas ainda estávamos no hospital aguardando um uber que meu namorado havia chamado, já que todos nós não caberiamos no carro de Josh.

- Também acho. - concordou Any, indignada, que chegou meia hora depois da nossa entrada na recepção. A maluca simplesmente mandou as pessoas da festa embora e arrastou Joalin com ela para o hospital. - Isso é um absurdo, não pode ficar assim. Se você quiser eu ligo para minha mãe, ela é advogada especializada em casos de discriminação.

- Não precisa. - recusou Lamar. - Não vai adiantar nada. Eram três garotos ricos e brancos. Onde é que isso vai dar em alguma coisa?

- E deixar esses garotos achando que nada vai acontecer?

- Diarra, só esquece. E não vai acontecer nada. É o Brasil, já devia ter acostumado.

- Não estou acreditando que estou ouvindo isso! - exclamou indignada. - Se "acostumar" é o mesmo que abaixar a cabeça e aceitar o preconceito. E não adianta protestar, Lamar, a gente vai sim na delegacia prestar queixa. E aposto que seus pais também irão concordar comigo.

E contra esse argumento, Lamar não teve como recusar e protestar novamente, ele apenas aceitou ser levado para a delegacia para prestar queixa contra os três garotos da sala de Joalin.

Após chegar do hospital, eu não consegui pegar no sono igual Joalin e Any que dividiam minha cama em um sono pesado, por isso enquanto o relógio dava três da manhã eu fui procurar consolo no quarto da minha mãe. Acho que foi impulso, sei lá, ou o fato de estarmos mais próximas nas últimos semanas. Porque se fosse outros tempos eu choraria sozinha no chuveiro, com a água se misturando com as lágrimas. Mas por alguma razão eu queria o colo dela para chorar. E no primeiro momento eu só fiquei em silêncio deitada na beirada da sua cama agarrada a ela, que se acordou com o meu gesto e não me perguntou nada, apenas me abraçou mais e afagou minha cabeça. Depois desse consolo silencioso, Helena me levou até a cozinha é preparou um café para nos duas.

- Aqueles garotos insinuaram que ele roubou a santa Amélia porque era negro, mãe. Dá para acreditar nisso? Estamos no século vinte e um e ainda há pessoas ignorantes à esse ponto. - desabafei sentindo o aroma do café preenchendo a cozinha. Bebendo um pouco do líquido marrom. - Sabe, eu nunca tinha presenciado nenhuma cena assim, só os relatos chocantes da vida da tia Diana e eu reconheço que vivo numa bolha idiota; reconheço o "privilégio" de ser branca, de olhos claros e de classe média. - eu não estava falando coisa com coisa. Com um nó na garganta, com muita vontade de chorar, e piorou quando me lembrei de um comentário de uma enfermeira: "essa gente vê preconceito em tudo". - Eu nunca vou saber a dor de ser julgada pela cor da pele, mesmo eu sentindo essa revolta e eu sei que não... - e foi aí que comecei a chorar desesperadamente. Sei que não tenho propriedade para falar de uma luta que não é minha, mas isso não me deixa menos revoltada.

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