undici

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Martedi (Terça-feira)

Eu nunca fui muito boa em ver os dois lados da situação. Lembro-me de uma vez, no ensino médio, quando meu professor de Sociologia pediu para fazermos um debate sobre momentos históricos do mundo, quando ele disse que teríamos que de alguma forma defender alguns dos piores regimes políticos do mundo, soube que odiaria Sociologia para o resto de minha vida.

Esse exercício me ajudou a perceber que talvez não fosse uma boa ideia escolher direito, como eu poderia ver o outro lado da situação de um caso de assassinato? Defender o assassino? Eu quis desistir de direito naquele dia, mas meu pai não permitiu, "nem toda história tem dois lados, quando alguém é culpado, ele é culpado até o fim", foi o que ele disse.

Preferi acreditar nele do que repensar todo o meu plano de futuro.

No fundo, apenas torcia para que minha intuição me ajudasse a ver os dois lados.

Mas agora, com o professor de Sociologia da SMD passando um exercício semelhante ao de anos atrás em meu colégio em Ammou, percebi que talvez não fosse uma boa ideia ser detetive.

Mordo o lábio inferior e cruzo os braços em cima da mesa, será que existe algum outro lado nos Ghostins?

Sinto um corpo ocupar a cadeira ao meu lado, me fazendo desviar o olhar da foto de milhares de corpos sem vida sendo projetados no tecido branco a frente da sala.

— Eu definitivamente não esperava ver fotos de mortos estudando administração. – Reviro os olhos quando ouço a voz rouca pronunciar próxima ao meu ouvido.

A sala está escura por causa do retroprojetor, as pessoas estão caladas, algumas por estarem em choque pelo assunto tratado e outras por debaterem a situação sendo apresentada. Mas não preciso de luz para saber quem é.

As salas da SMD são pequenas em proporção a quantidade de alunos, em forma de auditório, eu nunca liguei realmente pelo fato das cadeiras serem uma ao lado das outras nos andares que sobem até o fundo da sala, principalmente porque raramente pessoas sentavam ao meu lado, mas agora, pela primeira vez, eu as odeio.

— Como conseguiram colocar o corpo daquele cara lá em cima? – Solto um suspiro. – Olha o sangue respingado...

— O que você quer? – Murmuro finalmente encarando Dean.

Ele está praticamente deitado na cadeira, sua cabeça contra o encosto das costas, suas pernas estão esticadas e seus pés passam pelo vão da grande mesa e quase encostam na cabeça da garota a nossa frente. Ele veste um casaco com capuz por debaixo da jaqueta de couro, e é ele quem cobre seus cabelos, mal consigo enxergar seus olhos nessa escuridão. Seu sorriso, porém, se abre em zombaria.

— Estudar, obviamente, estava apenas debatendo com minha parceira. – Semicerro os olhos.

— Sobre como o sangue conseguiu respingar no teto?

— Ou como o corpo do cara foi parar em cima do lustre. – Reviro os olhos.

— Nunca te vi aqui antes. – Nosso tom de voz é baixo por causa da aula que segue lá na frente.

— Reparando em mim Coppola? – Como eu adoraria quebrar seus dentes da frente com um soco. – Normalmente eu não fico afim de vir.

— E hoje magicamente decidiu vir? – Ergo a sobrancelha.

— Um passarinho verde me contou sobre quem estaria nessa aula também – A luz da sala acende, e acabo fechando os olhos por alguns segundos pela dor causada pela claridade. Quando volto aos abrir, encontro Dean me analisando, as pessoas ao nosso redor começam a recolher suas coisas. Pego minha mochila no chão. – Preciso te contar algo.

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