Você tem pulado as refeições?

298 51 19
                                    


deixe um votinho ~

Quando eu tinha quinze anos, minha matéria favorita era matemática e a seguinte era química. As duas matérias eram meus amores e eu simplesmente amava-as porque conseguia pegá-las facilmente e rapidamente. Então eu sempre concluía as atividades na sala rapidamente e ficava lendo algum livro ou dormindo até a professora corrigir e eu fingir surpresa por ter acertado as questões.

Falsa modéstia era o meu pecado da época e eu odiava ter de fazer isso para não ser julgado mal pelos meus amigos de turma, uma vez que ninguém gosta de pessoas esnobes e cheias de si. Eu odeio pessoas esnobes e cheias de si. Eu não queria ser assim, o que explica eu ter me juntado àquela massa de alunos atormentados e desesperados com os exames finais das unidades. Eu fingia tão bem que até eu pensava que estava prestes a ser reprovado.

Todos sabiam que eu me garantia e vez ou outra se irritavam comigo por eu aparentar desespero e sempre tirar notas boas. Eu queria fazer parte delas também, não queria ser excluído por isso. Todos costumam gostar de quem tem coisas em comum consigo e, como ninguém de fato tinha muitas comigo, eu fingia incrivelmente bem. Mesmo que eu soubesse do meu verdadeiro potencial e tivesse consciência de que poderia muito mais do que aquilo.

O embuste aparece e conversa com alguns funcionários, mas é sempre com essa franja longa e dividida caindo sobre os olhos e a máscara ridícula na cara. Fala sério, nunca nem vi a cara desse meliante direito. Talvez ele deva saber que não é tão bonito assim e quer poupar as pessoas do desastre que deve ser suas feições.

Trabalho há três dias aqui, porque eu consegui convencer — com ajuda de Jooheon, é claro — essa coisa a me aceitar. Felizmente não fiz nada de ruim, estou cumprindo minhas tarefas e ainda chego cedo. É óbvio que meu corpo está reclamando por eu acordar tão cedo, mas nada que um bom café não resolva.

Aparentemente minhas experiências profissionais e meu histórico escolar chamou atenção do chefinho, então foi moleza ele me contratar. Obviamente ele sempre fica de olho em mim para que eu não faça burrada, mas eu absolutamente não ligo para isso.

Trabalhar o dia todo é um saco, mas pelo menos eu tenho meus trinta minutos de folga depois do horário de pico no restaurante. Meio-dia chega a ser assustador, uma vez que o restaurante está socado de gente e é sufocante até servir. Ademais, duas horas depois, quando reduz o número de clientes de uma maneira gritante, eu sempre me enfio no parque do outro lado da rua para fumar um pouquinho. As regras patéticas desse Kihyun me irrita.

E, honestamente, eu não sei que porra ele quer ao ser dono de um restaurante francês. Ele nem coreano é, isso eu sei. Fala arrastada, sotaque carregado, algumas pronúncias ruins e um pouco incompreensíveis. Então por que um estrangeiro abriria um restaurante francês na Coréia? Isso faz sentido?

Ouvi dizer que ele morou na França ou algo assim, mas eu não ligo muito para isso. Nem falei com Jooheon direito depois de tudo que aconteceu, porém creio que não vá demorar para isso acontecer. Eu preciso sanar algumas dúvidas acerca desse cara misterioso. Não é que estou interessado nele ou algo do tipo. Só tenho medo que ele não pague ninguém e vaze do país com todo o dinheiro.

— Sabia que tem crianças circulando no parque? — a pronúncia dele melhorou um pouco desde quando o conheci, dias atrás. Talvez esteja praticando.

Eu me viro para trás e encontro-o encostado numa árvore com os braços cruzados. Até no meu horário de almoço ele vem encher o saco.

— Sim — respondo, mas volto a olhar para frente e trago profundamente. Me sinto bem.

— Eu quis dizer que não é bom fumar aqui, Changkyun — ele não usa nenhum honorífico para se referir a mim. Será que ele é do ocidente? Talvez essa parada de França seja verdade.

— Eu não posso fumar nos fundos do restaurante e agora nem posso fumar aqui? — listo as suas duas novas proibições — Eu já fiz o que você pediu, agora me deixa em paz.

— Que ridículo! — ele ri sem graça — Você não zela pelo bem do próximo? Só porque está ferrando com o seu corpo, não significa que deva fazer isso com os outros.

Esse cara está me tirando do sério. Nem sei que merda ele está fazendo no parque, deveria estar no restaurante junto com uma parcela dos funcionários. Depois quer que o negócio ande para frente.

— Por acaso você me viu chamar uma criança para fumar? — giro meu tronco na sua direção, mas logo revela-se que isso é em vão, pois Yoo está vindo sentar ao meu lado no banco. Ele está com um livro na mão. Estava lendo.

— Eu estou ao seu lado e me torno um fumante passivo — ele dá de ombros. Que patético.

— Você está com uma máscara, não vai ser grande coisa para você — minha vez de dar de ombros.

Ele ri e eu aperto o cigarro entre os lábios antes de liberar uma lufada enorme. Meu queixo cai quando o vejo deslizar os dedos pelo cabelo e jogá-lo para trás, finalmente me revelando o seu rosto de uma maneira muito encantadora e, se eu não soubesse que ele é satírico e irônico, pensaria que talvez estivesse flertando comigo.

Ele rapidamente tira a máscara e finalmente posso enxergar mais de 80% do seu rosto... e que rosto! Retiro tudo o que disse anteriormente sobre ser desprovido de beleza e tentar esconder isso. O desgraçado é muito, muito bonito. Agora tudo está claro para mim. Espero não estar babando.

— Estou como as crianças agora — ele quebra o silêncio e irrompe meus pensamentos sobre quão bonito é. Ele sorri ironicamente, mas sem mostrar os dentes. Até isso é bonito. Puta merda.

— Ridículo pensar assim — com muito esforço me lembro do que estávamos falando. Seu cabelo cai de volta sobre o rosto e ele torna a afastá-lo.

— Ridículo e egoísta pensar assim.

Ridículo e egoísta é esconder essa tua beleza, impedindo todos de contemplá-la.

— Assim como? Eu sou livre como um pássaro — estou tão focado nos seus  traços que nem sei mais o que estou falando.

— Por que não voa pra, sei lá, uma montanha e fuma por lá? — agora ele ri de verdade. Deve ter imaginado minha cara num corpo de pássaro, fumando numa montanha. Confesso que isso é engraçado.

Mas eu quero bater nele por ter uma risada bonita e gostosa. Pena que ele é chato e enche o saco.

— Dã...?! Eu mal conseguiria respirar numa montanha, quem dirás fumar — decido me levantar e dar no pé daqui antes que eu pareça um maníaco viciado em rostos bonitos de pessoas insuportáveis aka Yoo Kihyun-seja-lá-que-merda.

Acabo por me levantar rápido demais e isso me dá uma tontura intensa do tipo quase nocaute. Eu sinto dores no corpo e ele está lento demais. Me sinto fraco e isso significa que não deveria ter inventado de fazer uma ação rápida, porque tombo para o lado e quase caio se não tivesse as mãos de Yoo me segurando. Mesmo assim, continuo:

— Você não pulou o ensino médio, né? — respiro fundo para fingir que está tudo bem.

Olho para seu rosto a fim de me reconfortar com sua beleza e me deparo com uma expressão preocupada.

— Você tem pulado as refeições? — penso até que esteja brincando com a frase dita por mim anteriormente, mas ele repete a pergunta ao não ter resposta.

— Isso é bobagem — afasto o meu braço das suas mãos. Eu só comi três biscoitinhos de canela hoje, mas não preciso dizer nada — Eu estou bem.

— Tudo bem, você que sabe da sua vida — aquela expressão se dissipa e lá vem ele com aquele jeito imponente outra vez, do tipo que diz: "Eu sou melhor que você e não preciso me preocupar com ninguém senão comigo mesmo, pois só eu sou suficiente para mim e não quero gastar meu tempo com terceiros."

— É, eu sei demais dela — sorrio de maneira falsa e saio andando. Piso no meu próprio cigarro no meio do caminho e concluo que preciso de mais café. 

ᴄᴀғᴇ ᴇᴛ ᴄɪɢᴀʀᴇᴛᴛᴇs  •ᴄʜᴀɴɢᴋɪ•

 café et cigarettes ┊ChangKiOnde histórias criam vida. Descubra agora