Você gosta de surpresas?

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— Você gosta de surpresas? — Yoo pergunta olhando-me profundamente. Eu não gosto muito de contatos visuais diretos, tenho vontade de fugir. Parece que a pessoa está vendo bem no fundo da sua alma e enxergando todos os seus podres.

— Depende — é o que eu respondo — Se for algo bom, sim.

Ele assente com a cabeça e eu fico quieto. As coisas entre nós dá uma acalmada a ponto de não escutarmos exatamente nada um do outro. Preciso ir para casa e dormir, me despeço e agradeço pela refeição. Ele não sorri, apenas assente e me deseja uma boa noite.

Chego em casa exausto e me jogo no sofá. Quando arranco os tênis com os próprios pés, decido acender um cigarro e deixar a brisa noturna invadir meu apartamentinho de merda. Eu nunca pensei que estaria sobrevivendo, mas infelizmente aqui estou eu. Preciso comprar um tênis novo e um celular novo. Preciso comprar roupas novas e urgentemente lavar o meu banheiro.

Não sei por que estou me sentindo tão para baixo, porém sempre tenho meu cigarro e minha xícara abastecida de café em noites solitárias como esta. A lua está bonita e eu nem me lembro quando foi a última vez que a admirei. Estou com o braço esquerdo apoiado no peitoril da janela e deixando o vento refrescar a parte superior nua do meu corpo.

Em dias normais eu estaria bailando numa rede social qualquer, fingindo interesse em coisas fúteis e pessoas mais vazias que eu próprio. Droga. Estou fumando e dizendo para mim mesmo que devo me amar. Isso já passou da hora de acontecer, né? Preciso de um pouco mais de empatia comigo mesmo. Não quero saber quem eu sou, preciso me amar e parar de fazer mal a mim mesmo.

Minha melhor época foi aos quinze, ainda que eu mentisse mais do que o Pinocchio. Então sempre que estou cansado e triste, olho para trás e penso em que mensagem eu mandaria para o meu eu de antes, caso pudesse. Eu sempre peço desculpas, pois estraguei tudo e não dá para reparar. Agora sou um verme solitário, robotizado que nem tem um único ser humano para fazer-me um carinho.

Droga, estou no meio de uma crise e isso não é nem um pouco bom. Porque eu sempre me culpo e isso chega a me desgastar. Não posso falar com ninguém porque meu telefone foi pro beleléu. Não falo isso com o pensamento de que alguém vá chegar a me atender ou conversar comigo sobre o que estou sentindo ou o que não estou sentindo — como, por exemplo, afeto e amor comigo mesmo.

Por isso que estou pondo toda essa nicotina no meu corpo. Por isso que estou pondo açúcar na minha cafeína. Por isso que eu simplesmente fico no mesmo lugar: porque eu sou relaxado e acho que tudo vai vir do céu como chuva. E agora começou a chover forte, sendo que eu não tenho nenhum cobertor limpo para me aquecer. Dane-se. Vou tentar melhorar de vida. Preciso sair do lugar.

A guimba tomba no cinzeiro e eu expiro a fumaça uma última vez. Consigo ver o resto do açúcar no fundo da xícara já vazia e deixo-a na mesinha de centro. Deixo o frescor da chuva sugar meu apartamento e me encolho de mansinho no sofá surrado, abraçando a almofada como se ela fosse o meu primeiro e último amor.


Estou acordando aos poucos porque a janela ficou aberta e o sol, sem ser convidado nem nada, já foi entrando e me tirando do sono. Coço os olhos e cambaleio em direção à cozinha, enfiando as mãos na geladeira para pegar o resto do leite de quinta que sempre compro porque o imposto é menor. Bela vida, Changkyun. Bela vida.

Tiro minha calça e vou tomar banho após um cafezinho com leite. Prometi na noite anterior que melhoraria de vida, mas hoje já não acredito mais e nem quero me esforçar para assim fazer. Um banho gelado, higiene bucal e uma ajeitada no cabelo. Pego minhas coisas e saio de casa sem nem saber de fato o horário. As ruas estão movimentadas, como sempre. Eu estou uma bagunça, como de costume. Eu quero acreditar que que vou melhorar de vida, mas isso me parece utópico e me faz querer chorar.

Mas eu chego no restaurante antes da primeira lágrima descer e a primeira pessoa que vejo é Yoo Kihyun saindo do seu carro e dando uma checada nos pneus. Me aproximo dele.

— Oi — cumprimento-o.

— Bom dia, Changkyun — ele se ergue e olha para mim. — Chegou muito cedo. Você não precisa chegar nesse horário, abrimos um pouco mais tarde. Nem deu sete horas ainda! — Kihyun checa seu relógio de pulso que deve valer uma fortuna.

— É, fiquei distraído — coço minha nuca, nervoso.

— Estou indo tomar café, quer vir comigo? Se importa de ser ocidental? Estou mais acostumado... — ele coça o nariz e enfim noto que ultimamente ele não está usando sua máscara branca. E isso é desde o dia da minha queda maldita.

— Pode ser. Eu só estou comendo comida ocidental mesmo... — concordo com a cabeça e passo a segui-lo.

Andando ao seu lado, principalmente agora na manhãzinha, finalmente sinto o seu cheiro e quase me aproximo demais para sentir melhor. Do que é? Flores mais... Baunilha? Ele tem cheiro de flores e baunilha. Espera, acho que tem algo mais. Um outro cheiro doce, talvez caramelo ou mel. Tem um cheiro incrível, atrativo, como se tudo de bom estivesse saindo da sua pele. Eu só quero sentir só mais um pouquinho...

— Changkyun? — ele me chama a atenção. — Você está muito próximo, cara.

Cara? Que porra é essa, um termo hétero? Ninguém chama alguém de "cara" dessa maneira, a não ser esses pessoais super héteros que querem ser legais com os amigos. Ah, agora que me fodi. Estou cheirando um cara hétero, mais conhecido como meu chefe, e que, por incrível que pareça, é poliglota e pode me xingar em tudo quanto é idioma.

— Oh, desculpa, cara — eu me afasto instantaneamente e desejo morrer só de leve. Ele não tem cheiro hétero, mas não vou julgar. Se eu sou um "cara" para ele, acho que ele também é o meu.

Kihyun me leva para um café um pouco perto do restaurante. Aqui tem um intenso aroma de café, acho que vou morrer de amor. Ele pede um Americano e um waffle. Eu, apenas um café gelado.

— Não, você precisa comer algo — e lá vem ele com essa ladainha.

— Estou bem — tento sorrir para a atendente e faço um gesto para que feche o pedido.

— Adicione um brownie, por favor — ele pede no meu lugar e a moça faz o pedido.

— Muito doce para comer de manhã — reclamo.

— Seu corpo terá o dia inteiro para acabar com a glicose, bebê — ai, esse tiro eu não esperava. Calma, preciso me recompor. Ele me chamou de bebê!!!

— Mas eu não quero — rosno.

— Foda-se essa merda, sou eu quem está mandando — bem, crianças, o que eu disse sobre ele ser mandão e cabeça dura? Está me irritando, vou virar o Incrível Hulk.

— Foda-se um caralho, o corpo é meu — estou adorando xingar livremente com ele, mas a atendente está assustada.

— Corpo seu uma ova, você fode ele todo — sim, ele está com raiva de verdade e não era uma discussão de brincadeira, como eu estive pensando segundos atrás. Merda, odeio deixá-lo irritado com a minha irresponsabilidade.

— E quem você acha que é para saber o que fazer com meu corpo? — agora eu também estou com raiva de verdade. Estamos chamando atenção e eu detesto isso.

— Moça, apaga tudo. Põe três waffles, dois brownies, dois Americanos, uma torta de nozes e panquecas com caramelo. Põe no débito — ele me empurra para o lado e pede tudo sem me consultar.

Eu me irrito e saio xingando até sentar à uma das mesas com a cara fechada. Quando ele aparece, mal consigo olhar no seu rosto e permaneço olhando para a rua. Estou Puto.

ᴄᴀғᴇ ᴇᴛ ᴄɪɢᴀʀᴇᴛᴛᴇs  •ᴄʜᴀɴɢᴋɪ•

 café et cigarettes ┊ChangKiOnde histórias criam vida. Descubra agora