Você mudou

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Nada mudou. Tudo continua a mesma coisa de antes. Pergunto-me se devo me preocupar com isso. Minha calmaria me surpreende, pois estou há tanto tempo sem vim à Sokcho que estranho até mesmo essa brisa fresca que me invade. O sol da tardinha lambendo minha retina, dizendo que é bom eu estar de volta em casa. Passei duas horas praticamente desmaiado no ônibus, para então ser chutado para fora dele e tomar uma bomba de nostalgia. Não estou tão perto de Seul, mas sempre achei que, para esse tempo de viagem, talvez não fosse tão longe assim. E, sendo honesto, eu até queria que tivesse durado um pouco mais. Eu gosto da minha cidade, mas... Não sei. Acho que não pertenço mais aqui.

Não vou à nossa casa, pego um ônibus para o hospital que mamãe me mandou por mensagem. Sentia falta daqui, se assim posso confessar. Desço um pouco aturdido, procuro informações de papai, jogo-me nos corredores à procura do teu quarto. Chegando à porta, olho pelo vidro que mamãe está lá com ele, conversando. Mas faz tanto tempo... Tive de crescer, teve que doer, tive que me separar. Às vezes não é preciso esperar que o mundo nos enfie uma espada no peito, porque é capaz de seus pais fazerem algo similar a você. Daí você desbota e precisa partir. Mas eles continuam sendo seus pais.

Afundo a mão no bolso da calça quando sinto meu celular vibrar. Uma mensagem, uma outra mensagem de Kihyun. Ele diz que, assim que eu voltar para Seul, deveríamos conversar sem falta. Sem falta, está em negrito. Pergunto sobre do que se trata a tal conversa, mas ele não me responde a tempo. Preciso entrar logo no quarto.

— Com licença... — falo ao entrar, fechando a porta atrás de mim. — Oi, mãe... Oi, pai.

O desconforto é real, faz-se presente, é notório, evidente. Mamãe vem a me abraçar, pergunta-me sobre a cor do cabelo, sobre os músculos que antes não estavam, sobre o jeito largado que me visto, sobre eu estar aparentemente maior. Eu digo que não, só foram alguns anos, não é tanta coisa assim. E papai só observa, como sempre. Sempre de canto, observando com esse olhar de julgamento. Passo a esperar mais uma das suas críticas, das suas reclamações.

— Passou muito tempo longe de casa, Changkyun — finalmente, é o que me diz. — Por que deixou o cabelo crescer? Por que pintou? Quer virar aqueles menininhos da televisão? Que roupas são essas? Consegue emprego com isso? Tá mais gordinho, olha. Anda comendo porcaria? Já conversamos sobre comida de rua e essas empresas dos Estados Unidos...

— Também senti sua falta, pai — sorrio, próximo à cama, encarando seu rosto apertado pelo colar cervical.

Sei que irá reclamar, irá me encher o saco, me entupir de perguntas. Mas não ligo, não mais. E então percebo, junto ao teu corpo colorido, ao gesso branco, às feridas cobertas... junto a ti, percebo que sentia falta era disso mesmo, de alguém se importando comigo do jeito que faziam antes. Sair das asas da família é difícil e, quando voltamos, de repente queremos voltar para quando tudo era belo e colorido. Antes do crescimento.

E vamos a conversar, pôr o papo em dia, eu explico que estou quase a me tornar sommelier. Eles perguntam que raios é isso, dizem que estou chique a falar outros idiomas e tudo mais. Eu rio, pois são bestinhas. Não falo nem metade do que Kihyun fala, imagina só.

— O sommelier, papai — começo, sentando-me na poltrona ao lado da cama onde deita-se meu velho. —, ele é responsável pelas bebidas do comércio ou restaurante, principalmente pelo vinho. Ele tem conhecimento sobre vinhos, então ele pode facilmente distinguir e sugerir aos clientes as melhores opções que se encaixam em seu paladar.

— Esse tipo de profissão existe? Que chique. Oh, o Changkyun está tão crescido e chique! Você mudou! — mamãe bate a bolsa em meu braço, brincando comigo. Eu continuo com meu riso envergonhado.

— O meu chefe, ele... — engulo em seco. — Bem, meu chefe irá me ajudar em cursos profissionalizantes e em eventos de degustação. Então provavelmente serei sommelier em breve, espero.

— Mas que boa notícia! — mamãe praticamente pula e sua energia me faz rir.

— E ganha bem? — aquela típica pergunta dele. Todas as vezes foram assim, eu chegava com um emprego novo e lá vinha essa pergunta, coçando sua garganta.

— Eu não acho que isso importe... — esfrego a palma da mão direita na nuca. — Eu gosto, então seria legal.

Papai nunca foi de apoiar moralmente. Ele dizia que era perda de tempo, que eu iria passar fome, que não me educou para eu virar um ninguém. Mas ele me ajudava quando eu precisava. Lembro-me da silhueta curvada invadindo meu quarto, na calada da noite, para deixar umas notinhas de won na minha caixinha de economias. Ele aumentou minhas inseguranças com suas palavras duras, mas ele acordava cedo e voltava tarde para tentar me dar um futuro. E eu não pude retornar. Errei tanto, mas tanto... Papai cansou dos meus erros. Foi assim que parei em Seul. Papai cansou dos meus erros.

— Mas não se preocupem, estou me virando bem por lá — explico, engolindo em seco para não chorar. Estar no mesmo ambiente que eles me faz querer chorar. — Tenho um apartamento, um emprego fixo e... Só.

Eu ia dizer namorado, que estava apaixonado, que tinha alguém para amar e me amar. Mas eu parei no meio da frase, pois tudo seria mentira. Hoje à noite acaba meu namoro e não pude aproveitar nem metade dele. E isso me deixa um pouco triste. Mas acho que estou bem, pois talvez Kihyun queira conversar comigo justamente sobre isso. Eu espero que seja isso, honestamente.

Mamãe não cita sobre a pessoa — o homem — a quem estou a cair de amores. Ela sabe que papai fixaria os olhos em mim, aquela expressão em que as sobrancelhas ficam tensas e os lábios curvados. Aquela expressão que claramente diz que ele quer explicação, mas ao mesmo tempo não quer. E ele sempre fica em silêncio. E o silêncio de papai é confuso, é eterno, é assustador. Tão profundo que consigo escutar minha alma gritar de medo. Eu não quero gritar de medo.

ᴄᴀғᴇ ᴇᴛ ᴄɪɢᴀʀᴇᴛᴛᴇs  •ᴄʜᴀɴɢᴋɪ•

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