Você nem está cuidando de si mesmo

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Descarto o fio dental na lixeira de metal e me observo no espelho. Dessa vez não quero enxergar galo algum, quero só ver que eu sou suficientemente bonito e legal para encontrar alguém melhor.

Tive essa ideia a partir de um artigo na internet e acho que devo aderir.

— Bem... — pigarreio, uma vez que é totalmente estranho estar falando comigo mesmo frente a um espelho. — Oi, eu sou Lim Changkyun, tenho vinte e quatro anos e... Porra, não era isso o que eu devia falar.

Respiro fundo, giro os ombros e tento mais uma vez:

— Eu gosto de fazer desenhos aleatórios quando estou entediado e confesso que fico admirado com essa minha capacidade. Acho que sou bom nisso — paro por um segundo. Sou solitário o suficiente para ter de falar das minhas qualidades ao meu próprio reflexo? — Ah, isso é ridículo...

Sento-me na privada e fico olhando para o rolo de papel higiênico por alguns segundos. Tiro meu celular novo do bolso e checo a mensagem que Jooheon me mandou com o número de Kihyun. Eu ainda nem salvei.

— Eu sou bom em criticar as coisas e adoro achar defeitos ou erros em algo. Mesmo que minha família diga que isso é um mau hábito, um dia encontrei um erro numa gramática e tenho muito orgulho disso — continuo, após levantar e dar de cara com o meu reflexo. — Eu não sou muito bom com planos, mas as melhores coisas na minha vida não vieram deles.

Talvez eu tenha um pouco de olheiras causadas pela minha noite mal dormida, mas é que cansei de automedicar-me para conseguir dormir como uma pessoa normal. Mesmo assim, eu gosto do que vejo. Gosto do fato da raiz do meu cabelo já estar preta, porque ele cresceu e até agora eu não descolori. Gosto do formato dos meus olhos, por eles combinarem com qualquer atmosfera que eu esteja. Sou fissurado nos meus lábios, principalmente o inferior descascado, porque eu vivo mordendo e arrancando a pele que, de bônus, não hidrato com nada senão minha própria saliva. Gosto das minhas caretas. Eu sou idiota, estou rindo delas.

Enfim, meu exterior me agrada. Pelo menos agora, neste momento. E por dentro... Bem, talvez eu não seja tão ruim. Não tanto quanto eu pensava.

Me arrumo rápido após uma xícara de café e saio assobiando, com um bom humor tremendo. Paro num posto de gasolina e entro na loja de conveniência. Saio com um Marlboro. Eu ainda gosto disso.

Hoje decido embarcar num ônibus, então recosto-me na janela e caio num cochilo pesado até acordar assustado dois pontos antes do restaurante. Meu peito ainda está acelerado quando desço, pois eu sei bem em que lugar esse ônibus vai parar e eu teria  de pegar trezentos ônibus para chegar de volta. Ademais, eu ainda teria de lidar com as reclamações de um certo arroba sobre o meu atraso.

— Bom dia — cumprimento o pessoal e sigo para trocar de roupa. Ótimo, ainda estão falando de mim. Nada de novo sob o sol.

Felizmente acordei cedo e de bom humor, do tipo desesperado para dar um jeito na vida sem me ferrar todo no meio do caminho. Pensei hoje em quão Kihyun me faz bem, mas em como também me faz mal. Pensei: e se eu sumisse e pedisse demissão, nunca mais falasse com ele e fizesse qualquer curso idiota para empregos de ótima remuneração? Poxa, boa ideia. Bom plano. Mas não é tão fácil quando se ama demais alguém. Eu amo demais ele. Voltaria, no máximo, no dia seguinte, pedindo o emprego de volta e vestindo um avental qualquer para voltar logo às atividades.

Eu acho que mereço ele, só não mereço algumas coisas que ele faz comigo. Como me deixar de lado, quando sempre coloco-o na frente de tudo. Não acho que eu deva mudar, também não acho que deva ser ele também a fazer a mudança. Eu acho que deveríamos perceber que, se quisermos, podemos ser incríveis um para o outro.

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