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— Você deveria ter mais cuidado — mamãe diz, apertando a bolsa de gelo contra meu rosto.
Não respondo, tento esquivar do gelado com uma careta, conquanto sei que não devo fugir dos cuidados. Estou com tanta raiva, porque eu deveria ter virado para trás e poderia ter visto e evitado isso. E se já não basta meu corpo está fodido — tendo em conta o modo que fui enfiado contra o concreto que graças a Deus é resistente e eu não caí no mar —, ainda tem a dor na testa e rosto pelo querido processo que foi ter o rosto esmagado por um poste de luz.
Meu celular foi, literalmente, pelos ares. E meu pai está cheirando meus arredores, claramente desconfiando da nicotina. Se ele reclamar, eu não quero mais ligar para isso. Quero o conforto do silêncio, apenas isso. Apenas isso.
O azar, certa vez, encontrou-me na esquina e disse que queria amizades. Disfarçado de oportunidade, deixei entrar de bom grado na minha vida, habitar minha morada, alojar-se nos meus átomos. Sabe, ele parecia tão só que quis acolher. Mas desde então não tem saído de mim, não tem. Parece até que atirei em meu próprio pé. Por que sou tão azarado? Não há explicação lógica para isso. Não há.
Quero voltar ao ensino médio, pois havia lan house após a escola e churrasco às sete. Eu tirava boas notas, sentia orgulho de mim. Mas parece que eu sempre estive em busca de atenção, tentando ser lembrado por algo. Mas não adianta. Veja isso. Sou um borrão nessa cidade.
— Conte o que aconteceu — mamãe pede.
— Eu estava parado, então um cara surgiu do nada e...
— Fazendo o quê parado? — meu pai pergunta. Meu olhar joga-se em seu rosto, pois ele está claramente me provocando.
— Isso não é relevante — é o que respondo, tentando não ser rude para evitar uma discussão.
Respiro fundo. A garganta seca está doendo, assim como o resto do meu frágil corpo. E eu estou cansado de ser humano, ser limitado. Comecei a vida há duas décadas e já é um bom demo, mas eu gostaria de encerrar, por favor. Por favor.
— Depende do que você julga como relevante — e... Parabéns, papai, acabou por tirar os 2% de paciência que me sobrou por hoje.
— Fumando, eu estava fumando! — respondo logo de uma vez, praticamente berrando. Mamãe me dá um tapa no braço e diz que eu não deveria gritar sem necessidade. — Seria mais fácil se me deixassem contar o que aconteceu.
— Claro, claro... Continue — mamãe, sensata, faz um gesto para que eu desenrole a história.
— Bem, eu estava parado — olho para o papai, sentindo a bolsa de gelo entorpecer meu rosto. — E daí um maluco apareceu do nada, com uma bicicleta, me atropelando e tudo. Eu me choquei com aquela cerca de concreto, ele caiu no chão e meu celular foi parar no mar. Quando eu fui atrás dele, ele simplesmente subiu na bicicleta e saiu correndo. Claro que viu a merda que fez e quis dar no pé. Eu poderia até alcançá-lo, se corresse bastante... Mas tinha a droga daquele poste filho da mãe no meio do caminho, que eu não tinha visto.
E então todo mundo fica em silêncio, apenas olhando para a minha cara. Me pergunto o que há de errado dessa vez. Se sou eu ou que falei. Sabe, seria mais fácil se todos falassem alguma coisa, nem que seja para um mero consolo.
— E você se machucou muito? — minha irmã decide perguntar, olhando-me.
— Acho que não, mas está doendo — tiro a bolsa de gelo do rosto. — Acho que a vida cospe na minha cara.
— Não diga isso, Changkyun... — e então a mão quente de mamãe derrama sobre meu ombro.
— Por que não? É a verdade. Parece que nada de bom acontece na minha vida. E sempre que acontece, surge algo que me tira isso. Eu sei que pode ser até pessimismo, mas minha vida é assim: se há demasiados dias de muita fartura, significa que demasiados dias de escassez virão. Então ando sempre preparado para esse tipo de coisa. Queria que só tivesse fim, sabe? — aparentemente ninguém parece ligar se pareço um adolescente perturbado que não vai ao psicólogo e acaba desabafando com qualquer um, quando as merdas se tornam muito pesadas para serem carregadas só.
— Nada é perfeito, Changkyun — minha mãe, com seus olhos escuros e avaliadores, tira-me a bolsa de gelo e perde-se na cozinha. — Você deveria ter esperanças.
— Eu nunca fui de ter esperanças. E esperança de quê, afinal? Não acho que nada mais pode acontecer — cruzo os braços.
— Que negativo — minha irmã volta-se para a mesa, onde estava fazer o trabalho da faculdade. — Você deveria ir dormir. Dormir sempre resolveu seus problemas.
— Tenho tantos problemas que, se eu fosse dormir para que assim se resolvam, eu passarei meus supostos oitenta anos restantes numa cama — levanto-me, checando os bolsos. Pelo menos meus cigarros e meus isqueiro estão aqui.
— Vai tomar banho, menino — meu pai reclama, torcendo o nariz. Olho para a sua expressão de nojo e reviro os olhos.
— Pode deixar — respondo, exausto da mesma e mesma grulha repetida a esmo. Estou exausto.
Eu nunca fui de desejar nada, nunca fui de pedir nada. Nunca fez sentido. Minha irmã sempre pediu as coisas e, entrando no quarto, facilmente identifico que raios ela pediu durante todo seu tempo de vida. Íamos ao templo, ficávamos de joelhos, costumávamos bordar o ar com sussurros repletos de palavras bonitas e pedidos profundos. Eu nunca sabia o que pedir, pois sempre achei que poderia correr atrás e dar conta de tudo. Sentido para mim nunca fez, sabe? Ajoelhar e pedir para alguém ou algo maior que eu. O que eu iria pedir? O que eu iria pedir, que não pudesse conseguir com esforço e merecimento? Sempre pensei assim. E agora estou aqui. Não sei se estou bem ou mal.
Tomo um banho gelado, pois não há privilégios por aqui. Visto-me com peças confortáveis, sento-me à varanda e encaro o chão. Meu celular foi pra puta que pariu. Pelo menos dessa vez eu já tinha efetuado o pagamento por completo. Mesmo assim, é chato isso. Chato me esforçar por algo que uma hora está aqui, mas do nada some. Eu não gosto quando perco as coisas que lutei para conseguir. Não gosto.
Minha irmã pergunta se estou bem, quando me escuta xingar fils de pute seis vezes seguidas. É que ela não sabe, mas se soubesse, me abraçaria e diria que sente muito. Sente muito, acho que ela sentiria. Sentiria por eu não estar presente às 19hs, do horário local, numa vídeo chamada urgente com um rapaz bonito de cabelos longos e olhos brilhantes no formato de amêndoas.
ᴄᴀғᴇ ᴇᴛ ᴄɪɢᴀʀᴇᴛᴛᴇs •ᴄʜᴀɴɢᴋɪ•
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café et cigarettes ┊ChangKi
Fanfic"Chɑngkyun preferiɑ cɑfé e cigɑrros ɑ se ɑlimentɑr de verdɑde. Kihyun ɑpenɑs um chef de cozinhɑ formɑdo nɑ Frɑnçɑ, implicɑnte e preocupɑdo" ೃ ⊹ © @TheLastPendragon cover; @AyaWestmacott2