10 - A garota

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Memórias de 2009, 14 anos. 


Quando Enzo passou a ter mais amigos — alguns do curso e outros que ele conheceu pela cidade — Ele pediu para vó Ana uma festa de aniversário de verdade. Eu na época — iniciozinho do 1° ano do ensino médio — me sentia extremamente irritada que ele tinha outros amigos, achava aquilo uma traição. Mas principalmente a "amizade" de uma garota morena e bonita chamada Vanessa, que vez ou outra eu percebia que estava dando em cima dele.

Eu não entendia direito que era ciúme. Eu só queria que a menina sumisse (eu sei, incorporei Raquel naquele momento).

Enquanto passava o tempo depois da aula na casa dele, eu e a vó Ana planejávamos as coisas sentadas na mesa de jantar da sala. Eu prestava atenção no que ela dizia e anotava tudo em uma lista no meu caderno. Rafa estava lá também, mas apenas jogava vídeo game com Enzo invés de ajudar de verdade.

— Não vai ficar muita coisa para a senhora fazer sozinha? — perguntei preocupada com vó Ana, que eu considerava praticamente minha avó e estava um pouco sobrecarregada de encomendas. E para o aniversário de Enzo, era de fato muita coisa. Doces, salgados e o bolo. Mas a verdade era que eu queria passar mais tempo na casa de Enzo, só não admitiria isso jamais. — Se a senhora quiser, posso vir um dia antes ajudar em alguma coisa. Que tal?

— Que menina gentil! — falava apertando meu nariz. Eu apenas sorri. — Não precisa, você vai estar muito cansada na hora da festa.

— Vou não, eu sempre ajudo nos aniversários das minhas irmãs. Até no meu mesmo. — de fato, não menti em nenhuma palavra que eu disse. Passava horas e horas ajudando minha mãe com a comida das festas com Raquel, que se gabava de saber fazer mais doces que eu. Susana sempre estava fora de cogitação em ajudar, ela tinha capacidade de queimar até ovo frito. Naquele momento eu apenas conferia a lista para ver se faltava alguma coisa.

— Já que insiste, fico muito agradecida! — falou com um sorriso largo.

Um dia antes do aniversário dele, Rafa disse que tinha que ajudar a mãe dela em casa com o irmãozinho recém-nascido, o que eu sabia que era só uma desculpa para não ficar na casa de Enzo ajudando à avó dele. Ela detestava a criança, dizia que ele só sabia chorar e deixar a casa fedida com cheiro de cocô de neném.

Enzo estava animado, já tinha convidado todos aqueles "amigos novos" dele. Ele mesmo tinha mudado de pouco em pouco sem que eu percebesse. Tentava falar com mais pessoas e de fato conseguia, era inteligente, bom de conversa. Tinha um jeito nerd e estava menos excêntrico aceitando mais as outras pessoas. Ele falava as coisas de um jeito estranho também, era quase charmoso.

No colégio não tinha uma pessoa que não soubesse quem ele e Rafa eram, eles estavam naquele estilo "popularzinhos" que estava me deixando levemente incomodada, era como se tivessem perdido um pouco à essência. Rafa que preferia mais que tudo passar a noite em casa jogando ou então pegar o skate velho dela e sair por aí, largou essas coisas de mão para sair em festas com as meninas do time de vôlei do colégio.

Enzo que antes odiava perder tempo com as pessoas "ignorantes" e "fúteis" da nossa escola agora passava a maior parte do tempo falando com algum deles. Se você andar com ele pelo corredor, provavelmente vai escutar alguém o chamando, e ele vai lá atender te deixando sozinho.

As mudanças dele não eram só na personalidade, a aparência estava mudando também. A puberdade parecia que tinha dado um soco forte nele. A voz não estava mais estranha, agora era levemente mais grossa e consistente. Ele estava — o que eu odiava admitir — ficando cada vez mais bonito. Ficou muito mais alto que eu quase do dia para noite, continuava pálido como quem tem anemia, mas o cabelo louro agora tinha um corte moderno e arrumadinho. Os olhos azuis chamavam mais atenção. Pelo visto eu era a única patinha feia, até Rafa estava mudando e eu não. Ele era inteligentíssimo, Rafa era bonita e forte e eu... Esquece.

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