13 - A crônica

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Memórias de maio 2009, 14 anos. 


"Você passará por experiências únicas"

É aquela típica frase de biscoito que muito fala e diz nada. Dona Teruko abriu um sorriso para mim quando eu acenei saindo da lanchonete.

Quase todos os dias eram na mesma rotina. Eu acordava, tomava meu café e ia ao colégio, mas não antes de passar na lanchonete da Dona Teruko, comprar meu lanche e ganhar um biscoito da sorte de brinde. Muita gente — Enzo principalmente — Acha bobagem. Contudo há momentos que eu acho que o biscoito me fala coisas tão certeiras...

— Isso se chama viés de confirmação. Não é porque o biscoito está certo uma vez que ele vai estar certo o tempo todo — Enzo me disse depois de me ver comendo o biscoito e guardando a frase.

Estávamos andando em direção ao colégio como sempre. As ruas estavam bem vazias pois a maioria das pessoas ou estavam dormindo, ou já tinham ido trabalhar.

— Real ou não, eu gosto de acreditar que as coisas não são um mero acaso. Que existe sorte por aí...

— Com certeza. E você é a pessoa mais azarada que já conheci. — minha expressão provavelmente fechou, pois ele tratou de mudar o discurso. — Estou só brincando.

— Esse ano também não tem sido de muita sorte para você né Enzo? Agora que está de castigo e vai ter que limpar a casa por tempo indeterminado. Pra ser sincera, achei que o universo foi sensato.

— Vem cá, você está do lado de quem?

— Da justiça.

Ele revirou os olhos e esboçou um sorriso.

Enzo parecia realmente arrependido desde que fez uma festa na sua casa. De qualquer forma, ainda sentia que Rafa e Vanessa conseguiam manipulá-lo. Ao contrário de mim, que já sabia como as coisas funcionavam com interações sociais o suficiente para desconfiar de tudo e todos, ele se deixava influenciar para ser aceito.

Tinha essa vontade de fazer parte, de não ser taxado como eu de "chato" ou "certinho". Ele demoraria um tempo até perceber que tudo aquilo era ilusão. Que os que sorriam para ele, seriam os primeiros a dar as costas na primeira dificuldade.

Era final de outono e o céu estava bastante nublado, mas ainda passava uns feixes de sol. O contraste entre a brisa fria e o sol morninho da manhã passava pela minha pele e era bom. Era impossível não sorrir.

Esse momento que eu estava a sós com Enzo sem a presença de Rafa e Vanessa eram únicos. Era a única parte do dia que tinha leveza e que eu podia aproveitar a presença dele como ele realmente era. Sem maquiar suas ações ou falas. Sem sorrisos fingidos e irresponsabilidades. Era só o meu amigo de sempre.


***


No colégio eu era uma aluna mediana. Era ruim em matérias exatas — principalmente o demônio chamado física — mas era boa de verdade em biologia e humanas. Meu ponto forte era redação, mas eu tirava notas baixas pois o colégio sempre quis apenas "texto dissertativo argumentativo" e eu achava um saco. Para falar a verdade, eu sempre tive a tendência em focar no que eu gosto e deixar completamente de lado o que eu não gostava.

Até que um projeto da secretaria de cultura da cidade me fez sair da zona de conforto e revelar que era boa em alguma coisa: qualquer outro texto que não fosse o padrão. Escrevia secretamente crônicas, contos e algumas histórias maiores. Mas está tudo guardado até hoje, eu gosto muito dos meus textos e me decepcionaria à nível de parar de escrever caso alguém fizesse um comentário negativo sobre eles. O projeto era fazer uma crônica sobre o amor e estava liberado para todo o ensino médio. As inscrições ficaram abertas e as pessoas só começaram a se interessar quando a professora de redação anexou ponto extra ao projeto — muita gente precisava de ponto para não reprovar na matéria aquela unidade. Não era apenas meu colégio, eu competia com todos os outros colégios da cidade; públicos e particulares.

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