21- Imbecil

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Memórias de Margot 


Contos de fadas são patéticos. Todos são recheados de finais felizes depois de uma vida trágica e cheia de desilusões, como se sempre existisse uma saída. Uma luz no fim do túnel. Infelizmente na vida real as coisas não funcionam desse jeito, e as vezes nós nem queremos de fato a solução.

Outras vezes a solução nem existe.

Olhei sorrateiramente a cadeira do lado e Enzo estava focado na resolução do exercício, murmurava e apagava o caderno toda vez que errava alguma coisa. Rafa estava sentada na cadeira de trás, conversando a aula toda com a prima do namorado dela. Vanessa até aquele momento não tinha dado as caras no colégio, e eu temia como as coisas seriam quando ela voltasse. Se ela voltasse.

As coisas estavam forçadas e robóticas entre nós três. Todo mundo tinha mudado, nem que fosse um pouquinho sequer. A distância tinha um estranho ar de conforto e pela primeira vez eu experimentei o que é não se sentir confortável junto com pessoas que você conviveu a vida inteira.

Como sempre eu viajava nesses assuntos em plena aula de física, uma das únicas aulas que eu deveria estar prestando meu máximo de atenção, pelas minhas notas não muito boas.

— E então Margot? — Perguntou o professor Lúcio olhando em expectativa para mim e esperando que eu respondesse algo que sequer escutei. — Pode me dizer a resposta?

Professor Lúcio tinha poucos meses lecionando no colégio. Desde o início ele se mostrou uma pessoa autoritária e exigente. Do tipo que quer disfarçar a pouca idade que tem impondo medo. Mesmo se para isso todo o colégio o odiasse.

Eu sabia que o professor Lúcio estava fazendo aquilo de propósito. Desde que ele entrou nesse bendito colégio parece ter um ódio inexplicável por mim e sempre dava um jeito de me constranger na frente de todo mundo. Respirei fundo e tentei tirar alguma informação do quadro, mas ele se colocou na minha frente cruzando os braços.

Enquanto isso a turma inteira olhava pra mim esperando e aquilo me dava um certo pânico. Eu sequer sabia o que estava acontecendo. Alguns davam alguns risinhos maldosos me zoando.

Eu detestava aquela escola. Eu, Enzo e Rafa no fim do nono ano fizemos uma prova pra tentar ganhar uma bolsa no colégio particular e extremamente caro que Raquel, Diana e Nicolas estavam estudando. Eu e Enzo estudamos pra valer e de fato, ganhamos. Mas Rafa não. Fiquei com pena dela e não queria que ela fosse pra outro colégio sozinha. Então eu decidi continuar com ela e Enzo, não foi pro outro colégio por minha causa.

Arrependimento. Cada dia que passava eu sentia um arrependimento maior.

— Desculpe professor, eu não escutei direito. — Justifiquei baixo.

— Claro que não, parece que minha aula não é digna da sua atenção. – Falou bravo e eu me encolhi discretamente na cadeira. Não bastava o dia de merda que eu estava tendo, ainda tinha que aguentar a pressão que o professor Lúcio fazia em mim. Toda vez era assim. Dentre 40 pessoas naquela turma, ele escolheu a mim para pegar no pé.

— Isso não vai se repetir, professor. — Sussurrei, mas alto o bastante pra que ele escutasse.

— Não vai mesmo, na próxima vou ter que te tirar da sala. — Ameaçou.

Um, dois, três, quatro. Respirei fundo.

— Professor, o senhor está sendo injusto. — Comecei tentando manter a calma. — Eu não dou um piu na aula, metade dessa sala fica brincando e conversando alto durante as atividades e só eu que sou punida? Eu estou aqui quieta no meu canto, enquanto Ricardo está ali jogando bolinha de papel nos outros, Kátia e Victória parecem duas gralhas de tanto que falam e Rafa não fez uma questão sequer. Se o senhor tem algum problema pessoal comigo, não deixe isso atrapalhar a aula. – Soltei a bomba e eu senti a tensão na respiração de todo mundo ali, um silêncio tomou conta da sala.

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