19 - Estrago visível

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Memórias de 2009, 14 anos.



Era uma varanda como qualquer outra da rua. Grades, cuja tinta descascava, com pontas afiadas em todo limite por conta da alta criminalidade na região. A parte coberta era quase bonitinha: uma decoração rústica para disfarçar a falta de tempo de quem morava ali em fazer algo mais elaborado. Havia cadeiras e uma mesinha de vime ocupada com revistas, doces, salgadinhos baratos e refrigerantes. Algumas plantas mortas também estavam presentes. Mas o que se destacava naquele cenário eram três adolescentes: o garoto que havia parado a sua leitura do mangá, a garota loira sentada no chão e a garota morena que se balançava na rede vermelha.

A rede que eu costumava sentar.

Fazia um longo tempo que eu não entrava naquela casa, mas algumas coisas permaneciam iguais: a mãe de Rafa e seu padrasto nunca estavam presentes. A mãe da garota trabalhava o dia inteiro na capital, quando voltava dizia que estava cansada demais para dar atenção a sua filha que alegava já estar "grandinha demais". O padrasto, por sua vez, tinha uma loja de materiais de construção no centro da cidade. Era ainda mais raro vê-lo em casa. Toda a responsabilidade em cuidar de Rafa e do seu irmãozinho caía para Cidinha, a moça que trabalhava de doméstica naquela casa desde antes dela nascer.

Os três me encararam curiosos enquanto eu simplesmente andei mais um pouco até chegar à minha casa.

Havia ido ao mercado comprar uns ingredientes para o bolo surpresa que faria para Vó Ana e por estar cheia de sacolas demorei o dobro do tempo para conseguir abrir o portão. Longe dos olhos dos três me sentia um pouco melhor, mas na medida do possível considerando que morávamos perto e todo tempo batia com eles em alguma esquina, alguma loja...

Afastei o pensamento e tratei de organizar as ideias do que faria: Bolo prestígio. O preferido de Vó Ana. Aquele seria o meu presente. Minha mãe adorou minha ideia, mas não pode me ajudar porque tinha horário marcado na manicure.

Eu preferia assim. A cozinha era pequena demais para nós duas, nós discordávamos muito e sempre acabávamos brigando.

Todos os ingredientes estavam em ordem, lavei as mãos e comecei a pôr a mão na massa, pois já era quase nove da manhã e o aniversário começaria às uma.

Depois de preparar a massa e colocar o bolo no forno, tratei de preparar recheio e cobertura, além da calda que deixaria o bolo com aspecto molhadinho. Não sei exatamente quando eu aprendi a fazer essas coisas, mas sempre acabou que eu me virava sozinha em muitas coisas na cozinha sem a supervisão de ninguém, acabou que eu tinha 14 anos e sabia fazer mais coisas que minha irmã mais velha que foi criada com muito mais restrições e cuidado.

O recheio de coco estava com um cheiro incrível. Desliguei a panela e coloquei o chocolate para derreter em banho maria para fazer a cobertura, foi no exato momento que escutei passos descendo as escadas.

— Cadê a minha irmãzinha preferida? — Raquel entrou na cozinha dando um sorriso de orelha a orelha. É dessa forma que vejo que ela está para estragar o meu dia.

— Oi. O que quer? Fale logo que estou ocupada.

Tentei encurtar ao máximo aquele assunto, que nem tinha começado, mas já estava desagradável.

— Nada. Eu vim só te avisar que hoje eu vou passar o dia na casa de Liliane. Mamãe já sabe, então... Não precisa esperar por mim pra ir.

— Tá, okay. Não é como se você se importasse com o aniversário de Vó Ana.

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