16 - Ponto de vista

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Memórias julho de 2009, 14 anos.


— Para de drama Margot, nem doeu tanto assim. — Diana se divertia da minha cara de sofrimento enquanto voltávamos para minha casa.

Se arrependimento matasse, eu já estaria morta. Eu queria muito fazer segundo furo na orelha, e assim que minha mãe deixou — depois de muito implorar  eu fui na farmácia mais próxima que oferecia o serviço. Furar com a pistola de pressão não dói, você sente a agonia depois. Diana disse que passaria só alguns dias incomodando de leve e depois eu nem sentiria tanto.

Ter Diana como amiga estava sendo uma experiência diferente. Não só pelo fato de que falávamos a mesma língua, mas eu finalmente estava tendo alguém para conversar sobre coisas que não dava pra conversar com Enzo sem que ele ficasse impaciente ou Rafa, porque simplesmente não conseguia um pouco de atenção dela, já que ela dividia com outros amigos "melhores" que eu.

— Tem certeza que esse brinco não vai me dar alergia?

— Fique tranquila. Quando furei foi bem mais radical. Eu tinha só boa vontade, Vanessa e uma agulha.

— Ninguém merece. Às vezes eu esqueço que vocês já foram amigas.

Quase não acreditei quando Diana contou que conheceu Vanessa quando as duas eram bem pequenas, durante um culto da sua antiga igreja. Eu já sabia que Diana teve um passado bem religioso, mas que aos poucos foi se afastando do meio por considerar ele uma hipocrisia. Eu não julgava, até porque não era a pessoa mais religiosa do mundo.

Diana acreditava plenamente em Deus e sempre ficava anormalmente séria quando esses assuntos vinham à tona. Ela simplesmente não conseguia mais entrar em nenhuma igreja, não conseguia mais conviver com toda a hipocrisia, corrupção e discurso de ódio que era pregado dentro de muitas, fazendo as pessoas esquecerem que o verdadeiro propósito é o amor. Amor próprio, amor com as outras pessoas. Ela não aceitava a imposição de que Deus odeia qualquer um que fuja um pouco dos padrões. Ter fé bastava para ela.

Quando ela bateu o pé dentro de casa e disse que não ia mais, seus pais quase enlouqueceram. Deixaram ela de castigo sem sair de casa e cortou todo o contato que ela tinha com os novos amigos dela, mal sabiam eles que aquilo só traria revolta e não arrependimento. Quando ela começou a se vestir meio gótica eles pararam de falar com a menina, mas logo perceberam que ela ainda continuava a mesma pessoa: A Diana meiga de sempre. Então eles caíram na real de que tinham exagerado.

— E aí, quer ir lá pra casa? A gente pode fazer brigadeiro. — Perguntei quando chegamos na praça que ficava no meio entre a minha rua e a rua dela. — Raquel está no cursinho, a casa tá uma paz hoje.

— Que droga, hoje não dá. — Deu um suspiro pesado. — Vai chegar um bando de parente chato lá em casa, estão vindo de Pernambuco. Se eu não estiver lá pra recebe-los minha mãe me mata.

— Sei como é, visita é uma chatice. — Respondi. — Então estou indo nessa, até mais!

— Até!

Quando Diana desapareceu do meu campo de visão, comecei a andar lentamente em direção à minha casa que ficava a poucos minutos dali. Senti leves gotas de chuva caindo sobre a minha pele, até que eles começaram a engrossar e uma chuva forte começou a cair me molhando por inteira.

Estava sem guarda-chuva, então precisei me abrigar na lanchonete da dona Teruko que ficava em frente à praça. Meus óculos estavam completamente embaçados, mas quando virei dei de cara com Enzo e Vanessa lanchando dentro do estabelecimento. Eles possivelmente não tinham me visto, mas eles riam e conversavam animados enquanto se empanturravam de bolo. Ver aquilo estragou meu dia.

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