14 - A gótica

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Memórias de junho 2009, 14 anos.


Diana não era bem aquilo que eu esperava. Todos enxergavam ela quase da mesma forma: A garota que só vestia roupas pretas pesadas, maquiagem mais pesada ainda, piercings e seus cabelos repicados com mechas roxas. Confesso que achava ela sinistra até o oitavo ano, quando ela me ferrou no jogo de verdade ou desafio. Mas por trás de toda aquela máscara, tinha uma menina simpática e – Acredite se quiser – meiga.

Nós sempre rimos da forma como nos aproximamos: no corredor da seção de biscoitos do supermercado. Era o terceiro dia que eu estava sem falar com Enzo e Rafa naquele primeiro ano do ensino médio. Como eles eram meus únicos amigos, eu passei por longos períodos de puro tédio sem ter com quem conversar ou fazer qualquer outra coisa de adolescente. Então do nada fiquei muito prestativa em casa, me oferecendo para fazer tudo que podia para me livrar de horas e horas de grandes "nadas". Quando não tinha mais nada o que fazer das tarefas de casa eu simplesmente colocava minha cara nos livros enquanto escutava uma música legal e relaxante. Eles apareciam na minha casa querendo me ver e conversar comigo, mas eu pedia para minha mãe dizer que eu não estava.

Naquele dia eu me ofereci para fazer as compras semanais. Minha mãe só ficou com aquela cara de "desde quando você suporta ficar zanzando no supermercado?", mas como ela sempre estava muito atarefada nem chegou a falar nada, só aceitou a ajuda de bom grado. De fato, eu estava tentando me distrair com o que até poucos dias atrás achava uma chatice suprema.

No supermercado tocava "Clocks "do Coldplay. Era raridade tocar algo bom — Geralmente era algum Hit idiota do verão que logo entraria no esquecimento — então entrei bem na vibe. Cantava algumas partes baixinho e sem perceber já estava de olhos fechados me empolgando com a música.

— Não sabia que você gostava de música boa. — Quase tomei um susto quando vi a figura gótica do meu lado com uma cestinha na mão cheia de porcarias: doces, biscoitos recheados e salgadinhos. Até aquele momento achava que estava sozinha no corredor e fiquei completamente constrangida. Ela não falava zombando como Rafa faria, apenas estava surpresa.

— É, Coldplay é uma das bandas que eu mais gosto e essa música... — Ajeitei os óculos e fiz uma pausa como se estivesse apreciando cada momento da melodia — É uma das minha preferidas da vida.

Estava fazendo um friozinho confortável aquele dia. Diana tinha um visual diferente, mas ela estava sempre muito arrumada. Uma blusa preta simples, com um casaco xadrez vermelho por cima, calça jeans preta rasgada e seus coturnos. Maquiagem estava suave e impecável. Era muito glamuor para uma ida ao supermercado.

Eu não era lá muito vaidosa, não até aquele momento. Sempre acabava pegando um short jeans e alguma blusa aleatória. E meu casaco, ele sempre estava presente, além da sandália. O mesmo rabo de cavalo de sempre, nada de maquiagem. Parecia até que eu tinha acabado de acordar. 

Acho que Diana me pegou analisando o seu visual.

Ela sorriu e continuou entupindo a cestinha com mais besteiras. Eu não sabia como continuar aquela conversa, sempre fui ruim na arte de socializar. E não sabia se ela queria continuar falando comigo, mal trocamos "Bom dia" e frases curtas ao longo da vida — por mais que já tenhamos ficado na mesma turma no oitavo ano e estado na mesma turma de ballet por mais de cinco anos. Depois de muito silêncio, ela resolveu quebrar a barreira de gelo que tinha entre nós.

— Onde estão seus amigos carrapatos? — Parou ao meu lado me esperando terminar de escolher o que eu queria. — É muito raro ver você andando sozinha por aí. Não que eu seja uma stalker e fique tomando conta da vida dos outros. — Rimos daquele comentário.

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