11 - A tempestade

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Memórias de 2009, 14 anos. 


Pode parecer que não, mas eu sobrevivi muito bem aos dias depois do aniversário de Enzo. Enquanto andava com ele e Rafa todos os dias para o colégio, observava eles e pensava no quanto eram diferentes.

Rafa era explosiva, energética e tinha um jeito meio rude de lidar com as coisas, principalmente com as suas frustrações. Agora ela fazia parte do time de vôlei do colégio e parecia um pouco mais calma, mesmo com todas suas brigas em casa com a mãe e o padrasto, além do seu namorado estúpido que ela parecia venerar. Enzo era muito diferente. Por mais que fosse um pouco mais estressado, tinha um jeito mais sensível e carinhoso que deixava ele mais equilibrado e eu sempre percebi que ele era levemente carente de atenção. Mas aquilo estava mudando. A verdade é que naquele momento eu começava a ter a sensação de que não os conhecia como antigamente.

Eu também comecei a me sentir excluída. Rafa e Enzo sempre conversavam animados sobre qualquer coisa e eu simplesmente não conseguia acompanhar. Eles agora tinham uma parcela da vida que eu não tinha contato e eu, ainda era a mesma menina de sempre. Comecei a me acostumar com a ideia de que as coisas não voltariam a ser como era antes, quando éramos um trio inseparável.

— Margot, você anda mais calada que o normal. — dizia Enzo com uma expressão que eu não sabia decifrar. — Tá acontecendo alguma coisa que eu não sei?

— Ah não, eu só estou cansada. É isso. — sempre dava uma desculpa como essa, era pouco convincente, mas eu não estava com muita vontade de interagir. Com ninguém.

— Você sabe que eu estou aqui. Pra qualquer coisa. — ele sempre dizia isso bagunçando meu cabelo como se quisesse me irritar, mas ele não conseguia o efeito desejado.

A grande verdade que eu escondia até da minha sombra é que eu gostava dele. Gostava no sentido romântico da coisa. A distância que eu percebia que eu criei entre nós me deixava mal: ao mesmo tempo que eu o queria, eu era insegura. Eu sabia também que um relacionamento mais que amizade entre nós jamais aconteceria, então tentava não criar falsas esperanças ou me iludir. Também estava com os sentimentos abalados com o beijo que eu flagrei entre ele e Vanessa no aniversário dele. Ainda não estava preparada para lidar com aquilo.

Todo meu sofrimento foi em um silêncio constante. Silêncio quando eu estava sozinha, silêncio quando estava com meus amigos... silêncio. Me sentia desnorteada e perdida. Não tinha muita fome e nem muita vontade de sair de casa. Revezava entre ouvir música, ler e escrever. Essas coisas que gente melancólica adora fazer para matar o tempo.

Naquele meio tempo Vanessa passou a andar com a gente, quase que do nada. Então, aquele período foi daqueles que eu achei que era ruim demais e que não dava para piorar. Mas sempre piora. Ela trocou de turma com a desculpa que queria ficar perto da gente e eu quase morri por dentro quando ela pessoalmente contou isso. Mas eu apenas sorri e fingi que estava ótimo.

Comecei a me sentir boba e infantil em sentir ciúme de Vanessa e de Enzo, já que nós éramos apenas amigos e eu sabia que ele arrumaria uma namorada, mais cedo ou mais tarde. Mas isso não me impediu de sentir a tortura que era assistir ela toda sorridente falando com ele como se fossem amigos desde sempre. Aquilo era angustiante.

Eu não era assim tão masoquista então sempre procurava me afastar quando ela estava por perto, ou simplesmente inventar coisas para fazer de última hora. Mas Enzo e Rafa começaram a perceber que eu estava me ausentando muito e ficou cada vez mais difícil me manter longe do "grupo".

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