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Primeira sensação pós cirurgia que eu tive é que meu corpo não obedecia ao meu cérebro. Tipo, a cabeça voltou com tudo, mas a boca falava devagar, meus movimentos estavam limitados e a sensação de ser impotente perante todos quando se fala de vida, acertou minha cara mais uma vez.

Não houve espaço para vaidades, eu só queria saber o que acontecera e demorou bons minutos para que uma enfermeira se aproximasse, já que esteve atendendo outros pacientes da UTI (depois que soube que era UTI). Com bastante tranquilidade na fala que não combinou com o jeito ágil na manutenção da medicação e todos outros procedimentos, a moça adiantou que eu tinha passado por uma cirurgia demorada, juntamente disse uma porção de palavras que não sei repetir, lembro de: "uns quinze pontos", "dreno" e o "doutor explica tudo ao paciente quando passa para dar alta".

— Aí já vou pra casa?

— Vai demorar um pouquinho. — ela sorri — Alta da UTI só. Aqui o cuidado é intensificado, ainda mais se teve rompimento do apêndice, pode cair para um quadro de infecção.

Longe de tomar bronca de médico, ele foi prático focando nos procedimentos, recomendações e uma estimativa inicial de tempo de quarenta e oito horas naquela sala, antes de eu terminar de me recuperar no quarto, sabe-se lá por quanto tempo. Só de pensar que tudo poderia ter sido evitado, me dava vontade de dar na minha própria cara. 

Afinal, pra sair da UTI, eu tinha que ter a sorte de não apresentar sintomas de infecção.

Feliz eu estava depois da visita de meia hora, o que era permitido, mãe e pai, gente. Os dois ali juntos! Aí pra terminar a noite começou a febre, inchaço na pança e um boato de que talvez precisasse me "abrir" outra vez. Era o dreno que havia trancado e a que febre teve seus picos, junto com minha preocupação. Nem sonhava que nesse momento horrendo pós cirúrgico com uma pança cheia de gazes e quinze pontos de sutura que me davam impressão de que as tripas podiam sair por ali se eu me movimentasse muito, Eliane toda preocupada apareceria para me visitar também.

(Socorro, nem posso me lembrar dos banhos com pano que me deram nos cinco dias de UTI)

Fui pro quarto finalmente. Por mim foi comemorado no pensamento. Lá dava pra ficar um pouco sentado, conversar melhor com quem estava atendendo no curativo e medicação. E de quebra tinha um companheiro de quarto, engraçado e super pra cima que estava se recuperando de uma cirurgia "lá atrás" segundo ele.

— Eu disse pra minha mulher que nunca ia deixar ninguém mexer no meu "botão" e tive que fazer toque. Pensa numa mulher que riu da minha cara. Meu, pra zoar falei que tinha sido uma delícia. Cara... eu tô brincando. Não tem graça mesmo.

— Rir dum problema ameniza nossa preocupação. — eu retruquei. — Por baixo, vou ficar mais uma semana aqui, pelo menos tu vais logo ser liberado.

AHHHH! Save me! Help meeeee! 

Tempo demais pra pensar na vida, nos crushes, no trabalho parado, no "rasgo" suturado em meu abdômen, na vida normal acontecendo lá fora e como esses poucos dias se arrastam com tudo nos entediando, celular com bateria viciada descarregava fácil e até a promessa de visita da Eliane dizendo que seu irmão estava preocupado, que não levei muito à sério por não ser tão íntimo dela, isso tudo era uma loucura pra mim.

— O que eu disse que era? Apendicite. Viado, tu é bobo da cabeça? — Guilherme não pegou leve no começo e disse que quando eu me recuperasse, me daria uma surra.

Era quarta-feira da outra semana, já sem febre, caminhei um pouco, tomei banho, pude colocar uma calça de moletom, camiseta e no pé uma meia rosa com flamingos estampados (coisa de Guilherme) e quanto à fuça, só dava pra olhar e lamentar.

Sol e MarteOnde histórias criam vida. Descubra agora