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Trinta dias foram o tempo mínimo de atestado numa época em que eu caminhava para meu auge profissional. Meu salário havia sido reajustado muito acima do que exige um piso de categoria. Era a fase de segurar o emprego com as "três" mãos. Entre trocar de carro e dar entrada num terreno em parceria com o Anderson, fomos na segunda opção já pensando em permuta-lo mais tarde. Assumi prestações, fiz planos, desses que só os vivos fazem e de um momento para o outro tudo mudou.

Sabemos, durante ou no pós-tratamento que com a força dos pensamentos positivos, um Homem caminhou sobre a água, logo a fé deve ser alimentada e procurar por coisas boas para preencher o tempo que parece estagnar na fase complicada. Mas primeiro precisamos vencer o choque.

(às vezes achamos que conosco nunca vai acontecer)

Eu não ouvi a palavra câncer da boca do Oncologista, pois ele usou o termo "neoplasia maligna" com naturalidade (que é o mesmo). O achei impecável para me inteirar do assunto, explicando sobre as possibilidades de tratamento depois da cirurgia ou que talvez meu médico fosse me mandar antes para umas sessões de rádio para diminuir o tumor para depois operar. Ou seja, ele era tão tranquilo que passava impressão de não ser tão grave.

Gente, eu nunca fui lento pra entender as coisas, só que estive num estado tão "anestesiado" que fiz uma pergunta idiota assim que ele terminou de me explicar tudo.

— É tipo um câncer, o senhor diz? — eu sabia que era o mesmo que neoplasia maligna, mas ainda processava as coisas.

— Sim, um tipo de tumor, Renan. Tem quase oito centímetro — ... e ele seguiu falando em voz calma, um monte de termos médicos que são gregos ou javaneses para mim. 

Anderson não disse uma só palavra. No carro, esfregou a mão no rosto e eu achei que ele ia brigar comigo, nem sei porque. Mas o que fez me causou muito mais choros. Primeiro foi seu abraço carinhoso, os beijos na minha cabeça e uma fungada de quem está emotivo.

— Só sei de uma coisa, você é o Leão mais forte que eu conheço. Sabe que vai ficar curado, né?

— Só vou atrapalhar a vida de todo mundo.

— Cadê as minhas Havaianas? Vou te dar uma coça de chinelo. Fala mais uma bobiça dessas pra ver. Parece tolo. E engole o choro. Falou besteira, não pode chorar também.

— Credo — eu sei que ele estava tentando me fazer rir. Meus pensamentos não eram tão bons ou evoluídos no começo. 

Descobrir um câncer já dá a impressão de que se vai morrer gritando de dor porque essas eram as histórias mais marcantes que já tinha ouvido. A maioria esmagadora eram histórias com final muito triste. Tive que aprender a dar ouvidos àquelas histórias em que pessoas "desenganadas" pelo médico praticamente ressuscitaram. Vitória nos casos mais simples ou mais complexos dependiam muito de quem compartilhava.

No meu caso, eu tive apoio de tantas pessoas e uma visita até da Ângela com seu abraço inesperado. Luiz me abraçou também e Anderson fez ceninha depois que ele se foi. Eu me sentia absolutamente vivo, o que de fato eu estava (cadê o meme do cérebro explodindo?). 

Aprendi a lutar e ser muito mais forte tendo a doença. Meu companheiro nunca saiu de perto, mesmo que eu me achasse deplorável cagando na fralda por uns dias ou esvaziando minha sonda urinária dos primeiros tempos do pós cirúrgico.

Anderson me levou nas sessões de rádio, me acompanhou nos meus quase seis meses de Quimioterapia "amarela". Ficou firme quando emagreci e depois quando engordei pra caralho (posteriormente tive acúmulo de gordura no fígado). Depois do sobrepeso, veio à baixa autoestima, logo em seguida os sintomas de depressão. Foi um pacotão pesado de carregar, mas consegui carregar porque minha família e amigos me ajudaram com o fardo.

Sol e MarteOnde histórias criam vida. Descubra agora