Maternidade

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— Talvez eu tenha me enganado — respondeu algumas curvas depois, relaxando consideravelmente a postura, embora mantivesse um pouco da tensão nas linhas do rosto.

Soltei o ar e percebi que mal respirava durante aquele tempo. Coloquei a mão no peito, sentindo minhas batidas cardíacas regulares, como se precisasse de uma prova de que ainda vivia. Acalmei meus pensamentos que viajaram quilômetros de ideias catastróficas e tive a certeza de que eu não aguentaria passar por aquilo de novo. Sentia-me envelhecida em 100 anos desde o primeiro pico de adrenalina — vulgo experiência de quase morte — que passei dois anos atrás no incêndio em meu quarto, e desde então fora um evento pior do que o outro. Não tinha condições de viver aquele tipo de estresse outra vez.

— Eu não sei como você consegue viver assim.

Justin estreitou os olhos para mim.

— O que quer dizer?

— Sua vida toda se resumiu em perseguir e ser perseguido, viver em perigo e ser o perigo...

Ele de uma risadinha e passou a mão no cabelo arrumado em um topete. Eu já o vira de cabelo longo, praticamente careca e de topete, e podia afirmar com absoluta certeza de que aquele homem ficava espetacular de todo jeito, uma estátua grega ambulante.

— Bem, eu não consigo imaginar como é uma vida diferente dessa, fui criado dessa maneira. Pense numa selva, a cadeia alimentar, alguns animais estão sempre ameaçados, ratos, coelhos, esquilos... E outros possuem uma hierarquia superior, a natureza é assim e tenho quase certeza de que eles não lamentam isso. Aliás... — deu-me uma olhadinha divertida — destaquemos o leão. Você acha que ele se sente mais ameaçado ou a própria ameaça?

Franzi o cenho, confusa.

— Ameaça.

O sorriso prepotente cresceu em seu rosto. Justin direcionou-me uma piscadela.

— Eu sou o leão, Faith — murmurou, engrossando a voz.

Eu ri alto, embora reconhecesse sua superioridade genuína nesses aspectos.

— De fato — ele parecia satisfeito por me fazer rir — fui treinado para ser o caçador e a provocar temor em quem ousasse me caçar, então dificilmente me sinto intimidado, ameaçado. Sempre portei a segurança do rei da selva — acompanhou-me no risinho — e você sabe que o que mudou isso, o que me dá um pavor nauseante ... — a claridade do dia reluziu em seus olhos castanho claros e sérios, momentaneamente fixados em mim — é você.

Senti-me constrangida de repente e olhei minhas mãos no colo como se algo interessante acontecesse ali. Meu peito queimou de carinho e dividiu o calor com as minhas bochechas.

— Mas eu sou o rato, não há o que temer — brinquei, sem jeito.

Ele riu da piada, aquele som descontraído que muito se assemelhava ao de um bebê.

— Você é a minha lobinha — esticou a mão, acariciando minha bochecha — Feroz e espetacular.

Beijei seus dedos, lisonjeada com o elogio.

Não havíamos desviado consideravelmente da rota, portanto, não demoramos a chegar. Foi Jazzy quem abriu a porta antes que colocássemos a mão no trinco, notara nossa chegada pelo ruído do carro, supus. Ela pulou diretamente para os braços de Justin.

Jazzy e Jaxon são os irmãos mais novos — por parte de pai — de Justin, que ele resgatara de um orfanado vigiado pela Companhia Bieber, e por um tempo — duas semanas — os dois pensaram que eu e Justin éramos seus pais adotivos. Eu me lembrava do dia em que abrimos a verdade. Para amaciar a carne, saímos apenas os quatro para um parque, enchemos aquelas barriguinhas de todos os seus desejos e soltamos o verbo com muito cuidado numa sorveteria.

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