Culpa

158 9 21
                                    

— Faith! — A voz de Ava ressoou um pouco impaciente em meu ouvido, o que queria dizer que provavelmente estava me chamando há algum tempo.

Tirei os olhos dos rabiscos sem sentido que fazia na minha agenda para olhar pra ela.

— Sim?

— Onde você estava, hein? Estou te chamando faz minutos.

Eu estava realmente muito distraída naquele dia, as aulas não conseguiam captar minha total atenção, e quando tentei, o professor mencionou a Síndrome de estocolmo, um estado psicológico em que a vítima de intimidações e derivados passa a ter amor e empatia ao seu agressor. Não era o que eu e Justin tínhamos, descartei quase numa defesa instantânea, mas sabia que pareceria assim para quem eu fosse contar a verdade. "Como a gente se conheceu? Ah, ele foi contratado para me matar e me manipulou para se aproximar de mim, chegou até a incendiar meu quarto comigo dentro uma vez". Insano. Uma história não deve estancar na superfície, é o que eu digo.

E então eu pensei nos contratantes, nossos vizinhos de sempre, pais do meu melhor amigo, Wren Peter. Pensar em Wren sempre me deixava um pouco deprimida, ele não tinha culpa pelo que os pais fizeram, não estava a par do assunto, e me ajudou muito quando pensei que Justin havia morrido — eu sempre estremecia ao relembrar isso —, mas depois que seus pais foram mortos na minha casa e ele acabou na delegacia, nosso relacionamento praticamente morreu. Eu me sentia um pouco culpada por isso, mas como conseguiria olhar em seus olhos sabendo que meu namorado matou seu pai e minha amiga, Caitlin, a sua mãe? De qualquer forma, ele também estivera lá por mim em todos os meus momentos mais difíceis, eu queria ser capaz de fazer isso por ele também.

Larguei a caneta e peguei o celular mais uma vez. Eu ainda tinha seu contato. Bem, se ele não tivesse mudado de número. Então digitei uma mensagem, hesitante.

"Oi, Wren. E aí?". Antes que mudasse de ideia, enviei, mordiscando a parte interna do lábio.

— Faith?

A mensagem não pode ser entregue. Tudo bem, mudou de número. Mas, eu ainda tinha seu e-mail. Podia tentar por ali, mas respondi Ava primeiro, sentindo sua inquietação emanar para mim.

— Oi, Ava, desculpe. O que houve?

Seus olhos se estreitaram.

— Estava te perguntando o que acha dos meus planos de hoje.

Dei um sorrisinho culpado.

— Quais são?

Ela suspirou, mas repetiu pacientemente.

— Ethan me chamou para ir a casa dele, disse que vai cozinhar para mim. — Uma centelha de empolgação brilhou em seus olhos.

Nós duas olhamos para trás, em direção a carteira dele. Ele captou o olhar de Ava e lhe deu uma piscadela capaz de desmaiar pessoas a três raios de distância. Depois de acenar, ela se virou de volta para mim, afogueada.

— Eu sinceramente não entendo o que ele vê em mim.

Revirei os olhos.

— E eu já te disse que você não se enxerga direito. Mas, voltando aos planos, acho que são ótimos, tenho certeza de que vão se divertir bastante. E não faça nada do que se arrependa depois, ou que não queira, ou não esteja pronta. — Alertei — Qualquer coisa, não hesite em me chamar.

As bochechas dela coraram um pouco e ela desviou os olhos.

— Tudo bem, mãe. E você o que planeja fazer hoje? — Desviou o assunto para mim, sagaz.

One TimeOnde histórias criam vida. Descubra agora