Suspeita

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Ele estava furioso, eu podia sentir aquela vibração ser transmitida através de seu corpo para o meu onde nos tocávamos. No caso, eu me grudava às suas costas para suportar a viagem de volta a casa, ainda lidando eu mesma com os efeitos do nosso embate.

Conseguia distinguir um pouco da minha própria raiva entre as emoções no fundo do estômago. Estávamos encerrando aquele dia impecável com perfeição, e sem aquela interrupção inconveniente eu tinha certeza de que passaríamos boas horas admirando as estrelas entre caricias e trivialidades. Xinguei o grupo mais uma vez em minha mente.

Por outro lado, também havia aquela sensação gelada correndo nas veias. Desde que chegamos no Canadá não havíamos sido importunados por prováveis inimigos de Justin. Isso se devia ao nome dos Cavanagh e sua própria reputação. Eu me perguntava o que havia mudado para que homens tão despreparados ousassem enfrentá-lo. E se aquilo viraria um costume. Apertei sua cintura com mais força ao relembrar um dos homens me chamar pelo nome.

Visto que o clima não estava dos melhores e a ausência de palavras que me indicassem o contrário, eu esperava — deprimida —que Justin estivesse me levando de volta para a casa da sua família. Então fiquei bastante surpresa quando parou em frente à sua porta.

Segurei sua mão para descer, alongando o corpo rígido a ponto de estalar os ossos. Comecei a rodar a cabeça em meia lua para alongar o pescoço, mas parei logo no início, tonta. O amiguinho de Justin provavelmente chutara minha cabeça e ela ainda latejava por isso. Justin, encostado na moto, me observava muito sério, imerso em seus pensamentos enquanto passava a ponta do dedão no lábio distraidamente.

— Vou colocar Jazmyn e Jaxon em alguma modalidade de artes marciais. — Anunciou, perscrutando minha reação.

Eu massageei meus ombros, pensando. A decisão por óbvio devia ser motivada pelo último acontecimento. Eu só queria garantir que com o intuito certo.

— Hmm... Por que? Não acha melhor perguntar a eles se desejam?

Ele balançou a cabeça em negativa de modo breve.

— Não é um assunto que admita interferência infantil.

Estreitei os olhos.

— Não foi por isso que tirou eles de Boston? Para que tivessem escolha?

Minhas palavras aprofundaram sua carranca.

— São coisas diferentes, Faith. Quero que eles aprendam a se defender. Se você está aprendendo por que eles não poderiam? — Arqueou uma sobrancelha incisiva — Não é como se eu fosse treiná-los para virarem o que eu sou. — A repulsa ficou evidente em sua entonação.

Não gostei do tom que falara de si mesmo e me aproximei, tomando sua mão. Ele desviou o rosto.

— Como assim "o que você é"?

Ele bufou pelo nariz, deixando evidente que não achava ser um fato contestável, e que se eu me atrevesse a sugerir o contrário estaria mentindo. Apesar disso, protestaria se antes não tivesse visto o leve hematoma em sua bochecha esquerda minimamente inchada.

— Você está bem? — Perguntei ansiosa, afagando o local com delicadeza. Percebi que não havia parado para lhe perguntar isso ou checar seu estado físico. Meu subconsciente devia mesmo considerá-lo imortal.

Ele afastou minha mão de sua bochecha, tomando-a outra vez na sua. Enfim devolveu meu olhar, mas não foi nada tranquilizador. Bem visível em sua íris estava aquele lençol impenetrável que o protegia do mundo exterior.

Tive medo, a ponto de parar de respirar. Ele não se isolava daquela forma de mim. Não desde... Desde que havíamos reatado.

— Estou. — Disse inflexível — E você? — Analisou-me dos pés a cabeça pela segunda vez na noite, um vinco sutil surgindo entre as sobrancelhas quando parou o olhar em meu pescoço.

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