Alfonso
Dirigindo meu carro para fora da estrada principal, sigo direto para minha cabana situada às proximidades de Libby, Montana. Morar em Seattle às vezes pode ser sufocante, principalmente quando se carrega a dor de quatro mortes em sua cabeça e coração. Aquela missão era para ser perfeita, mas eles eram bons e nos pegaram em uma armadilha.
Eu posso ser um dos melhores técnicos em computação do FBI, mas nem mesmo isso conseguiria prever que um deles ficaria para trás como isca e se explodiria em mil pedaços só para matar a equipe a qual eu pertencia. Eu conhecia aqueles caras e trabalhávamos juntos há oito anos, eu revesava entre a central e o furgão, acompanhando e quebrando bloqueios pelo computador, não era um agente de campo, mas era o melhor no que eu fazia. Sempre fiz um puta trabalho bom e o restante deixava nas mãos do agente especial Lary, nosso chefe.
Talvez ele não estivesse cem por cento na missão, assim como eu, a cabeça estava presa no recente divórcio, ou ele teria ido com mais calma e prestado atenção em seus sentidos. Ele era bom, era muito bom, antes de sua ex esposa foder com sua mente brilhante o abandonando porque ele trabalhava demais.
-Puta merda!
Aperto o volante, os nós dos dedos ficando esbranquiçados pela força utilizada, esse havia sido o mesmo motivo que Eve deu para me deixar também. Um ano após nosso casamento.
É tão clichê, elas se apaixonam por nossa profissão, o risco as excitam, amam exibir seus companheiros agentes, mas não aguentam a carga de horas que nos acompanham.
A psicóloga que fez meu acompanhamento achou melhor eu ter um período de férias, me afastar um pouco, recuperar e depois retornar ao trabalho e claro que meu superior achou que seria melhor também. Portanto tenho dois meses livres para fazer absolutamente nada no meio do nada. Bela porra! Antes me deixassem fazer pelo menos um homeoffice, mas nem isso me foi permitido.
Respirando fundo me concentro em seguir o caminho quase oculto e tento me lembrar que eu fiz a escolha de vir para cá, poderia ter escolhido qualquer lugar no mundo, mas essa foi minha decisão. Dirijo por mais duas horas e então vejo o lago e, com um sorriso pouco comum nos últimos meses, me recordo do porquê escolhi este lugar. Mais algumas semanas e o inverno chegaria ao fim e eu vou poder desfrutar de mergulhar no lago e algumas boas caminhadas pelas trilhas da floresta. Agarrando tudo que trouxe para minha temporada aqui, vou direto para a cabana e encho meus pulmões com o ar frio e começo a tossir e rir percebendo o erro que cometi.
-Oh merda, que ar frio!
A neve ainda cobre o chão e a cabana, mas o lago não está congelado, pelo que ouvi no rádio, essa noite será fria com direito a um pouco mais de neve. Verifico mais uma vez se tenho tudo o que é necessário para as próximas duas semanas e finalmente me deixo descansar contra a cadeira na varanda.
Sinto um pouco de paz se instalar em meu interior, mas ainda há um vazio, que mesmo quando estava casado e tinha meus amigos e equipe ao meu lado, nunca fora preenchido.
Balanço a cabeça afastando esses pensamentos e entro na cabana para me proteger do frio, a medida que o sol se afasta dando lugar a noite, o vento parece cada vez mais rigoroso. Testo o sinal do meu celular e do telefone via satélite, sim, anos na profissão me fizeram ser um cara precavido.
Ando ao redor do lugar e vou para o cômodo que utilizo para exercícios, posso não ser um agente de campo, mas gosto de manter meu corpo em forma. Não sou grande como a porra de um armário, mas tenho músculos definidos e pretendo continuar assim. Me olho no grande espelho e vejo minha barba mais longa que o habitual me fazendo sentir um pouco mais velho que os meus trinta anos, me deixei relaxar e as cervejas extras me afundaram um pouco mais em meu poço de autopiedade.
Pelas próximas duas horas eu fico ali, me exercito o suficiente até sentir meus músculos cansarem e decido tomar um banho quente e dimuir essa barba de lenhador antissocial.
Assim que anoitece, sento em frente a lareira para jantar e deixo as cortinas das janelas abertas para admirar os flocos de neve que caem, tudo sendo engolido pelo silêncio. Já passa das oito da noite quando me jogo na poltrona e pego um dos livros que trouxe para ler, antes de terminar o primeiro capítulo, já estou adormecido.
Não demora muito para que os pesadelos me puxem de volta, ainda posso ouvir os gritos da minha equipe através dos fones de comunicação. Posso ouvir a risada histérica daquele terrorista filho da puta pouco antes da explosão. Acordo pulando na poltrona, a respiração acelerada, aos poucos me acalmo e olhando o relógio vejo que dormi por menos de uma hora.
Não consigo dormir direito depois daquela noite, mas também não quero depender de calmantes ou qualquer outra droga para dormir. Eu preciso aprender a conviver com isso se quiser voltar a trabalhar.
Eu amo meu trabalho e o fato de que posso salvar vidas inocentes através dele, então não quero deixar esse momento obscuro roubar anos de missões bem sucedidas.
Tento voltar para o meu livro, mas não tenho qualquer foco ou concentração para continuar. Me levanto e preparo uma dose de conhaque, volto para a poltrona e me perco na visão do lago e a neve que cai, se estivesse em Seattle, provavelmente estaria saindo do escritório agora, indo direto para minja casa procurando me esconder de tudo e todos. Normalmente as pessoas aproveitam as noites de sábado para sair, uma boate ou um pub, eu preferia me manter as margens da sociedade barulhenta e isso irritava a merda fora de Eve que adorava uma boa noitada cercada de amigos.
Nem mesmo faço ideia de como nosso relacionamento durou tanto tempo, ela tão liberal e agitada, e eu tão sério e na minha.
Eu deveria saber que daria errado quando percebi que me sentia mais possessivo pelo meu computador do que por ela, não me importava tanto com o que ela fazia, desde que me deixasse em paz enquanto trabalhava em tarefas que poderiam esperar, mas que fazia questão de levar para casa.
Admito que parte do fracasso do nosso relacionamento, é culpa minha. Eu me casei porque pensei que estava na hora de ter uma esposa e filhos e ela se casou porque gostava do status e das pessoas influentes que conhecia por causa do meu trabalho.
Usado por usado, estamos quites.
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A Eleita
RomanceAnahi nasceu e foi criada dentro da Comunidade Crystal Lake, não havia contato com o mundo exterior exceto por um ou outro conselheiro tutelar que surgia muito raramente à procura de irregularidades e abusos. Mal sabiam eles das condições e regras. ...