Capítulo 3

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Anahi

Respiro fundo.
Finalmente chegou o sábado, a tensão correu pelo meu corpo o dia todo, estou ansiosa e já repassei o plano em minha cabeça um milhão de vezes, fecho os olhos em uma prece silenciosa e agradeço pelo tempo frio e os flocos de neve que começam a cair nesse final de inverno. Mais três semanas e estaríamos na primavera, o que dificultaria minha desculpa para fugir.
Meus pais estão na sala, esperando para me acompanhar até o salão do  Conselho, convenci minha mãe a levar o vestido para que eu o troque lá, evitando amassar ou sujar durante o pequeno trajeto da nossa casa até o salão. Durante os ensaios para a apresentação das aspirantes a Eleita, dei uma boa olhada em todo o galpão e sei que consigo facilmente escapar pela janela do banheiro. Ela é baixa e pequena, mas eu também sou pequena e magra, então posso passar por ela tranquilamente. Ontem, após o ensaio, deixei minha mochila escondida na mata próximo ao lago, não faço ideia do quanto vou ter que andar para chegar a uma cidade próxima, ou quando vou encontrar ajuda, mas qualquer coisa deve ser melhor que ficar aqui. Andar pelas proximidades do lago Cedar só nos é permitido porque o guia Joe tem certeza que não há possibilidade de contato com pessoas externas, principalmente no inverno, é uma longa extensão com floresta, então segundo ele, estamos seguros contra o mal que o mundo representa.
A única coisa que levo daqui, é minha câmera, amo fotografar e não posso ir sem ela, e também algum dinheiro que vi minha Nanah esconder em um de seus momentos perdidos em sua mente.
Vou sentir falta das conversas com ela.
-Anahi, precisamos ir, senão vai se atrasar.
Meu pai chama da sala, o tom de sua voz é do tipo que se nega ser contrariado ou contestado. Dando uma última olhada em meu quarto, deixo uma carta de despedida sob o travesseiro, saio e fecho a porta sem olhar para trás.
-Você tem certeza que não quer ir com o vestida, filha? - minha mãe olha minha calça de moletom e minha blusa rosa com certo desgosto. Espere até ela ver o agasalho preto.
Mordo o interior de minhas bochechas para não rir.
-Está começando a nevar, não quero arriscar molhar o vestido, mesmo que seja só um pouquinho. Não vai levar muito tempo para eu me trocar, fique tranquila.
-Ok, então vamos.
Meu pai nos leva para fora e tranca a porta, ele caminha na frente, enquanto minha mãe e eu siguimos atrás em silêncio, como todas nós somos ensinadas a fazer quando acompanhadas por homens.
Assim que chegamos no salão, eu agarro o vestido e vou direto para o banheiro, mamãe se oferece para me ajudar, mas dou a desculpa que o banheiro é pequeno e garanto que vou ser rápida.
Tranco a porta e empurro a trava da janela.
-É agora ou nunca.
Olho o relógio em meu pulso, são oito horas da noite, está escuro o suficiente, tiro meu agasalho e jogo pela janela para que eu consiga passar pela abertura estreita.
Pulo para o lado de fora e faço uma dancinha da vitória, primeiro passo realizado.
Coloco meu agasalho novamente e verifico se as ruas já estão vazias.
-É, parece que todos estão animados para estar lá dentro, menos eu.
Procuro me manter sob as sombras e becos mais escuros, falta pouco para chegar até as cercas que delimitam as terras de nossa comunidade, só mais alguns metros.
-Ei, volte aqui!
Sem olhar para trás acelero minha corrida, o máximo que o chão fofo pela neve me permite, fugindo dos gritos de William.
Por que ele não está lá também?! Eu passo por baixo da cerca e quando me levanto, ouço um estrondo, meu braço queima e sei que aquele idiota me acertou um tiro.
Seguro meu braço e corro em direção oposta ao lago para despistar, eu posso sentir a ardência e minha carne queimar, o tiro foi de raspão, mas arde como nunca senti nada antes.
Eu olho para trás e vejo ele voltar gritando em alerta, tenho pouco tempo para fugir, não contava com ele vigiando justo essa noite. Quando o perco de vista, contorno pela floresta e vou em direção ao lago.
Agarro minha mochila e lançando um olhar para trás vejo minhas pegadas na neve.
-Assim eles vão me seguir onde quer que eu vá.
Aperto meus olhos bem fechados, tentando pensar em algo e sei o que devo fazer, sei que vou me arrepender, mas não há outra saída.
Jogo minha mochila nas costas e corro em direção ao lago, não dá para atravessá-lo nadando, mas posso correr pela borda, assim não ficará nenhuma pegada minha na neve.
Corro até alcançar o ponto onde as árvores são mais fechadas e a neve no chão mais escassa, aqui posso correr pela floresta e tentar despistar, o problema é que meus pés estão encharcados e congelando. Sento em um tronco e busco em minha mochila pelo outro par de tênis que trouxe e meias secas, posso aguentar, eu não posso e não vou desistir agora.
Meu braço dói, mas tenho que prosseguir. Ando o que parece ser horas e não ouço o som de ninguém me seguindo, o relógio marca meia noite, devo estar longe o suficiente, mas não posso relaxar, muito menos no meio da floresta, sem sinal de uma cidade ou pessoas que possam me ajudar, vejo a clareira do lago novamente e o medo de ter andado em círculos bate em meu coração, me aproximo lentamente e me escondendo atrás de uma árvore, posso ver que estou do outro lado do lago, eu sei porque posso ver o topo da montanha que tantas vezes fotografei. Me distanciei o bastante para que o guia Joe não envie seus seguidores tão longe. Sigo novamente para dentro da floresta e mesmo cansada e com sono eu continuo caminhando, minha visão começa a ficar embaçada, mas consigo focar uma cabana próxima ao lago, vou em direção a ela, minhas pernas estão fracas e me sinto ceder. De repente, tudo está escuro.

A EleitaOnde histórias criam vida. Descubra agora