3 - Máscara

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A viagem de comboio de regresso a casa na manhã seguinte demorou mais tempo do que eu esperava. Como previra, não fora capaz de responder ao inquérito que a Sofia havia preparado para mim, com o intuito de saber pormenores únicos e exclusivos do meu passeio com ele. Estava demasiado cansada e a minha mente divagava muito longe daquele simples quarto esbranquiçado com cortinas bejes da Pousada de Juventude.

Contudo, sem que pudesse controlar, a imagem do anjo de negro apareceu vezes e vezes sem conta, protagonizando o meu sonho. Numa estranha versão de Hollywood, o Seth aparecia em todas as situações por mais estranhas que pudessem parecer. Esforçava-me arduamente para não querer sonhar com ele, para pensar em qualquer outro assunto que me ocupasse a mente e me permitisse descansar da ânsia de não o desejar. E depois disso, os meus pensamentos não foram mais capazes de se manterem silenciosos, acordei e revirei-me vezes e vezes sem conta nos lençóis de algodão azuis bebé tentando voltar a adormecer. Mas por mais que tentasse, não fui capaz de voltar a dormir ou de descansar. Sentei-me na cama e encostei-me à parede fria e áspera, pousando a cabeça nos joelhos com o desejo de poder afastá-lo permanentemente do meu pensamento.

Sem que conseguisse ser forte o suficiente para ditar uma ordem que impedisse o meu cérebro de recordar, lembrei-me do meu passeio com o Seth. Não podia evitar deixar de pensar nele. Ele representava tudo o que eu necessitava para mudar a minha vida. Estava cansada de ser a pessoa que os outros esperavam que fosse e principalmente, sentia-me asfixiada no meio da necessidade de procurar algo que mudasse o meu mundo. O anjo interrompeu o devaneio com o brilho do seu sorriso. Recordei-me de algumas das suas palavras. Da necessidade que senti em erguer uma mão para lhe tocar e do consequente desejo de trancar com um forte cadeado todas as emoções que ele despertava em mim.

Daquele modo seria mais seguro, se criasse a eficaz barreira em torno de mim, não teria a consequente percepção de sofrimento. Se estivesse imune, nunca me iria sentir vulnerável. Questionei a eficácia das minhas barreiras junto dele. Não me pareceriam capazes de lhe resistir quando a sua voz quebrasse a minha concentração e o seu perfume rebelde me invadisse as narinas. Pelo contrário, era nessas ocasiões em que me sentia completamente capaz de abdicar de tudo, de tudo o que lutara com afinco para alcançar. Ele fazia-me desejar ter o mundo para lhe dar. Mas eu não tinha e nunca iria ter, e para bem da minha sanidade, eu iria encontrar a força interior necessária para me esquecer dele.

Ergui o rosto decidida e contente com a minha nova decisão e levantei-me do aconchego da cama. Abri a porta silenciosamente tendo o cuidado de não acordar a Sofia e caminhei até à casa de banho.

Não fui capaz de me olhar ao espelho quando finalmente irrompi pela casa de banho desprovida de vida humana e me aproximei do lavatório metálico. Tinha medo de conseguir perceber a frustração patente na minha decisão em o esquecer ou encontrar um rasgo de mentira na minha máscara recentemente adquirida. Contudo não fui capaz de conter o desejo de não me ver durante muito tempo e ergui timidamente a cara para a superfície reflectora. 

As minhas dúvidas e medos anteriores eram fundamentados. Conseguia perceber a máscara a querer levantar-se e a mostrar a verdadeira expressão de desilusão que se encontrava cravejada no meu rosto lívido. Eu sabia que o queria esquecer e tinha a certeza que essa era também a decisão mais acertada a tomar, contudo, o fascínio que os olhos dele exerciam sobre mim, parecia-me muito mais forte do que qualquer retracção. 

Sem conseguir desviar a cara do espelho, tacteei em busca da torneira e deixei a água correr dentro do bacio. O espelho continuava a reflectir o rosto protegido pela máscara que tentava ser imune a emoções humanas. Desviei o olhar do reflexo, como se este fosse mais um factor de combustão para acender a paixão semi-adormecida e debrucei-me sobre o bacio mergulhando a cara na água gelada.

Por um MomentoOnde histórias criam vida. Descubra agora