10 - Por um Momento

1 0 0
                                    


O tempo passava muito lentamente enquanto me virava e revirava vezes sem conta no banco pouco confortável do comboio. Depois de ter passado os últimos quatro dias a avaliar a minha decisão, já não me sentia capaz de o querer retirar do meu pensamento. Precisava da imagem dele, presa na minha mente para me dar o alento que necessitava, para encarar a minha decisão como lógica e não apenas um acto irreflectido e irresponsável consequente de um momento frágil. Tentei distrair-me várias vezes de modo a não sentir a necessidade perturbadora de tentar encontrar falhas na minha decisão.

Ergui a cabeça para o rapaz que estava sentado no banco à minha frente. Tinha os cabelos castanhos emaranhados num penteado rebelde, os olhos verdes perscrutavam atentamente a minha face, provavelmente tentando decifrar a confusão que se formava nos meus olhos sempre que tentava pensar num modo de me abstrair. Não parecia ser muito mais velho do que eu, contudo a sua expressão dava-lhe um aspecto muito mais maturo do que realmente deveria ter constrangendo-me.

Sorriu-me quando o meu olhar se cruzou com o dele pela primeira vez, fazendo-me desviar o olhar enquanto silenciosamente tentava procurar a máscara nos confins mais remotos da minha cabeça. Voltei a dirigir o meu olhar tímido na direcção dele.

– Desculpa estar a intrometer-me, mas está tudo bem contigo? – perguntou fazendo-me olhar imediatamente para a penumbra da noite pelo vidro ao meu lado. – Se não quiseres responder , tudo bem. Mas estás com ar de quem precisa de conversar .


Inspirei profundamente. 

– Eu estou bem assim. – retorqui ouvindo a minha voz soar rouca por ter estado calada durante tanto tempo.

Interroguei-me o porquê de ter pouca habilidade para mentir, mas recordei-me que na minha família ninguém tinha o hábito de mentir ou omitir nada a outra pessoa. Esse era um dos poucos aspectos de que me poderia orgulhar. Pelo menos, mentirosa não constaria no meu registo de defeitos, entre teimosa e egoísta. 

– Bom, se quiseres, eu estou aqui para te ouvir. É uma longa viagem para ser feita sozinha, não é?

Não percebi o sentido que tinha a sua observação. Do que poderia observar, também estava sozinho, tal como eu. Talvez estivesse só a ser simpático e a tentar quebrar o aborrecimento que deveria ser visível na minha expressão.


– Não me importo.– respondi tentando não soar mal educada. Na verdade preferia, não manter qualquer espécie de diálogo.

Abanou ligeiramente a cabeça resignado com a minha resposta. Talvez entendesse que preferia estar sozinha, talvez deduzisse que estaria demasiado absorta nos meus próprios pensamentos, o que de facto correspondia a verdade.

Observei atentamente os primeiros raios de sol a surgirem no exterior do comboio que cavalgava sobre os trilhos. O barulho com que o fazia era um pouco irritante, tendo em conta o silêncio que pairava no interior da carruagem. Permiti-me estender os membros inferiores no banco ao meu lado e senti o alivio percorrer-me o corpo quando percebi que era exactamente isso necessitavam. Encostei a cabeça ao vidro fechando os olhos.


Apercebi-me que sorria obstinadamente para as memórias que me invadiam, uma a uma, a mente. Eram essencialmente memórias de pormenores da cara dele, mas a que despoletou o acelerar incomodativo do meu coração ao ponto de sentir uma dor aguda na zona das costelas, foi a recordação dos beijos que incendiaram o meu corpo.

Queria voltar a sentir aquela sensação. Desejava ardentemente poder içar novamente os meus braços para o prender no meu abraço, e essencialmente, o meu coração e a minha alma gritavam em uníssono um último vislumbre dos seus olhos azuis que me faziam levitar. Levei uma mão ao pescoço apertando firmemente o colar e sentindo as formas das letras na pele.

Por um MomentoOnde histórias criam vida. Descubra agora