16 - Fúria

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O dia vinte de Abril chegou envolto de uma neblina cortante, com a sombria realidade que transportava o Seth pela estrada fora fazendo o que mais amava na vida. Levantei-me com uma dor de cabeça que quase me impedia de pensar. Não tinha conseguido pregar olho durante a noite e ocupara o tempo todo a chorar. Chorava com a dor cortante e ingénua de não o poder ter comigo. E apesar de eu saber que isso mais cedo ou mais tarde teria de acontecer – afinal fazia parte da profissão que ele escolhera e que o trouxera até a mim – não estava preparada para ter de viver todo este tempo sem ele. Queria ter tido muito mais tempo para desfrutar na companhia dele, muitos mais momentos para escrever no caderno quase gasto.

Tomei um duche rápido e escovei os dentes vestindo rapidamente as primeiras peças de roupa que encontrei dispostas sobre a cama. Na semana anterior o Seth cumprira mais um dos seus desejos oferecendo-me um veículo e felizmente para mim não era nenhum tanque de Guerra como gracejara que seria. O meu novo automóvel era um Mini Cooper S Cabriolet novo em folha, o que claro, despoletou um ataque da minha parte e uma tentativa falhada que ele devolvesse o carro.

Agora, estacionado na rua à frente da minha casa estava o pequeno automóvel vermelho e reluzente. Fitei-o através da janela da cozinha enquanto bebia um trago de leite pelo pacote. Peguei num caderno e na minha bolsa e saí de casa rumo à faculdade. O caminho até ao campus não era demorado, pelo que considerei preguiçosa e presunçosa a minha opção de ter levado o Mini para conhecer o parque sempre lotado da Universidade. Felizmente para mim, nesta terça-feira só tinha as quatro horas sem interrupção de Jornalismo com o professor Garisson.

Entrei no auditório e desci as escadas rangentes até à fileira de cadeiras onde me costumava sentar. O Max estava atrasado pelo que encontrei a Erin a desenhar distraidamente a carvão numa folha branca de tamanho A4. – Bom dia E.– saudei num pequeno murmúrio desgastado que se assemelhou quase a uma pequena brisa que me tivesse fugido pelos lábios carnudos.


– Bom dia Vic.– cumprimentou com a habitual boa disposição matinal. – É hoje que o professor Garisson faz a distribuição dos pares para o trabalho de grupo. Espero que não me calhe nenhum baldas.– balbuciou revirando os olhos. Tinha-me esquecido que era hoje o tão temido dia em que os alunos de jornalismo descobririam quem eram os seus pares para o trabalho final que valeria 70% da nota.


– Contento-me em não ficar com o Daniel. – repliquei enquanto expirava.

Soltou uma gargalhada timbrada que penetrou nos sussurros mudos dos restantes alunos que enchiam o auditório. – Não me perguntes o porquê, mas adoro a vossa relação de amor-ódio. – – disse com um tom de voz claramente provocativo e divertido.

Lancei-lhe um olhar indignado. – Amor-ódio? Acredita em mim, nesta relação só vejo ódio. Ou melhor, indiferença. E para te provar o quanto isso é verdade, se o professor Garisson tiver a infelicidade de me juntar a ele não me vais ouvir a soltar um único grunhido de indignação.– repliquei tentando parecer convincente.

A cadeira do meu lado esquerdo arrastou-se tornando clara a presença da pessoa de quem falávamos anteriormente. Não lhe iria dar a mínima importância, tal como sempre acontecia quando chegava ao auditório e ainda antes de me fazer qualquer pergunta descabida ou simplesmente fazer qualquer tipo de barulho incomodativo. Na verdade, Daniel Turner era a pessoa mais inquieta com quem já dividira uma mesa.

– O professor já fez a distribuição dos pares? – Daniel perguntou dirigindo o olhar para o professor que se mantinha distraidamente ocupado no fundo do auditório. Olhei para ele com um misto de espanto e desconfiança, como é que até o Daniel Turner se lembrava e eu não? Abanei negativamente a cabeça não desviando o olhar de um conjunto de apontamentos da disciplina de Métodos de Persuasão.–Tens algum palpite de com quem vais ficar?

Por um MomentoOnde histórias criam vida. Descubra agora