9 - "Volta"

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O sol brilhava incessantemente nesta manhã de sábado no início do mês de Fevereiro. A quietude pairava no interior do quarto, sendo apenas interrompida pelo barulho da televisão proveniente do quarto do meu irmão. Aquele miúdo adorava desenhos animados japoneses.

Era um sábado aborrecido, sem nada de relevante para fazer, sem ter de estudar. Pensei que poderia ler um bom livro, mas nenhum da minha colecção me detinha especial interesse, também não me apetecia ver um filme; não tinha ninguém para o ver comigo – à excepção do Afonso que seria provavelmente a última pessoa a quem recorreria para fazer o que quer que fosse. Por isso, resignei-me a ficar estendida na cama, entregue aos pensamentos que se conjuravam libertinamente no interior da minha mente.

Contudo, pouco depois fartei-me de me ter entregue à preguiça e forcei-me a levantar-me. Dois meses tinham passado desde a última vez que o vira, porém este tempo de separação era diferente do anterior: já não sentia a necessidade de retrair os pensamentos e usar a máscara e também já não sentia a crescente sensação de melancolia que me consumia por dentro. A melancolia que agora sentia, era diferente; eram os restos de esperança moribunda que pairava dentro de mim tentando manter-me viva na ânsia que ele regressasse. 

Ao olhar ao meu redor, só encontrei um único objecto que se iluminava e contrastava com todos os outros ofuscando-os: o meu caderno. Escrever continuava a ser o amparo para qualquer dor ou medo que me assolasse.

Numa caligrafia rude, comecei a escrever o reflexo que conta mais um bocadinho de mim, um bocadinho da história que me representa.

Os dias vão passando mas tu não estás aqui. 

Sinto falta do teu sorriso, das palavras de conforto, sinto falta do teu abraço e do teu beijo. Sozinha no escuro, até de fugir de ti, tenho saudades. Costumam dizer que o destino nunca é suficientemente generoso, mas nunca pensei no quanto essas palavras pudessem ser verdadeiras. Foi injusto, ter-te por um momento, e viver na angústia de não saber quando te irei voltar a ver.

No passado, tentei esquecer-me do teu perfume, do azul perturbante dos teus olhos. O alívio percorre-me por saber que desta vez não o tentei. Estaria a ser masoquista ao tentar esquecer um pedaço de mim. Não te tinha considerado já, a minha alma gémea? Contudo, onde está o anjo nesta hora em que a escuridão bate à porta e a luz está longe do meu alcance? O que devo fazer para tentar salvar a minha alma e o meu coração quando sei que não estás aqui para me amparar?

Nos últimos dois meses dei por mim a desejar que te libertasses dos sonhos e pudesses afagar-me o rosto como acontece em todas as réplicas do nosso último encontro. Gostava que estivesses aqui e me relembrasses do quanto me fizeste sentir que gostas de mim. O colar que me ofereceste, continua pendurado no meu pescoço. Ao relembrar aquele dia chuvoso de Dezembro, interrogo-me o porquê de não ter sido egoísta o suficiente para te pedir que ficasses. Talvez agora fosse feliz; talvez agora o vazio no coração se dissipasse totalmente.

Em dois meses onde o imenso oceano se entrepôs entre nós, onde o teu trabalho e o meu medo nos mantiveram distantes, questionei-me inúmeras vezes sobre o que estarias a fazer. Deixei de ler revistas com medo de saber algo que me partisse o coração, deixei de te procurar na internet por não conseguir ver mais do que aquilo que a minha memória imperfeita se recordava. Porque não ficaste mesmo sabendo as consequências que isso traria? 

E com a coragem que não tive naquela noite que ficou gravada a fogo na minha memória, escrevo: "Volta", com a certeza que não voltarás. Talvez um dia o destino se volte a lembrar de mim, talvez me permita reviver o sonho que interrompeu.

Nesse dia Seth Bowen, amar-te-ei com toda a intensidade como a que digo "amo-te" em todos os sonhos que protagonizas.

Era certo que ele não tinha ficado: talvez por não ter pedido que o fizesse ou então por saber que por muito que o desejasse comigo aqui, isso não seria possível. Mas agora, passados dois meses insuportavelmente dolorosos a sobreviver sem a sua presença, poderia o meu "Volta" ser concretizado?

Por um MomentoOnde histórias criam vida. Descubra agora