Uma das coisas que descobri sobre a comida de 1830 é que não era necessário tirar a casca das frutas. Não havia agrotóxicos. Descobri também que não existia nada gelado, talvez num dia muito frio de inverno, mas não era esse o caso agora, já que não existia geladeira. O cardápio era à base de carnes e gordura animal, meio pesado. Senti muita falta da pizza de domingo.
Passei o resto da tarde na companhia de Maite e Teodora. Participei pouco da conversa. Eu tinha a impressão de que Alfonso não queria que eu dissesse tudo o que pensava a Maite. Fiquei espantada com a postura das garotas. Elas se sentavam tão eretas que minhas costas doíam só de olhar. Minha mãe teria gostado disso.
Os movimentos delas eram tão graciosos, tão meticulosamente delicados, que acabei me sentindo um ogro desajeitado. Eu nunca, em toda minha vida, ouvi as palavras "delicada" e "Anahí" usadas numa mesma frase. Geralmente era desajeitada, atrapalhada, desatenta acompanhadas por Anahí.
Essas sim, ouvi milhares de vezes. Contudo, nunca dei muita importância, porque nunca me vi cercada de pessoas que faziam do ato de se sentar praticamente um balé. E lá estava eu, afundada na poltrona como sempre, enquanto as duas pareciam se equilibrar na beirada do sofá. Tentei copiar a postura de Maite, mas desisti depois de uns quinze minutos. Meu corpo já tinha memorizado a postura: encoste as costas no sofá, solte os ombros e se afunde, cruze as pernas.
Cruzar os braços em caso de irritação ou frio. Por mais que tentasse copiá-la, aos poucos meu corpo voltava à posição despojada. Eu não pertenço a este lugar. Se elas se comportassem do mesmo modo em 2010, seriam taxadas de esnobes.
Tentei me convencer disso, mas não funcionou muito.
Os movimentos delicados que Maite fazia para bordar um pequeno pedaço de tecido eram mais graciosos que qualquer gesto que eu pudesse fazer. Pensei que as mulheresacabaram ficando sem tempo para detalhes como esse.
Depois do jantar fui até a cozinha falar com Madalena
—Eu queria te pedir um favor, Madalena.
—O que quiser, senhorita Anahí.
—Por acaso, não teria um pedaço de tecido sobrando por aí?—Notei a curiosidade em seu rosto. —Algum tecido velho que eu possa usar para fazer uma... Coisa.
—Na verdade, tem sim. Sempre precisamos de tecidos para fazer alguns remendos num lençol ou em uma roupa. Precisa de quanto?
—Ah, só um pedaço pequeno basta.
—Vou pegar meio metro então. —E me fitou com suspeita.
—É mais que o bastante! Também vou precisar de tesoura. —Acrescentei.
—Claro. —Ela se inclinou ligeiramente. —Voltarei num instante.
Madalena me entregou o tecido bege e uma tesoura de ferro muito pesada. Corri para meu quarto. Estiquei o tecido sobre cama. Procurei a caneta em minha bolsa, peguei minha calcinha — minha única calcinha —e a coloquei sobre o tecido.
Risquei em volta da parte da frente, depois da parte de trás, sem interromper o desenho. Tracei fitas de dois dedos de largura nos dois desenhos. Peguei a tesoura e comecei a recortar. Meu Deus! Como é pesada! Também pudera, parecia feita de metal fundido.
Puxei algumas linhas soltas quanto terminei e provei. Parecia mais um biquíni de amarrar muito mal feito que uma calcinha —o tecido não era de lycra, claro, então facilitava muito ter as tiras para o ajuste. Só esperava que não desfiasse muito!
Claro que eu já tinha usado roupas sem nada por baixo. Mas sempre com roupas justas, onde a calcinha marcava e deixava o visual meio cafona. Era diferente estar tão à vontade com aquele vestido rodado que podia se inflar como um balão a qualquer sinal de vento. Melhor garantir.