Capítulo 2

32 6 0
                                    

O reino de Tenebra não esbanja terras férteis, por isso as pessoas precisaram se adaptar para terem alimentos saudáveis ou no mínimo terem o que comer. Com recursos naturais escassos, tornaram-se exímios criadores de insetos, que passaram a utilizar como sua principal fonte de alimentação. Dos pântanos retiravam diversas espécies de algas, plantas e raízes. As pessoas trabalhavam com afinco e dedicação e trocavam entre si tudo o que produziam ou extraiam da fauna e flora local. Desta forma, gozavam de ótima saúde e quase sempre tinham o suficiente para sobreviverem. Para o jantar daquela noite, a governanta prepara minhocas ao molho musgo e deliciosos escorpiões gratinados, acompanhados de cereais do pântano e suco de rã detox.

Ao anunciar o jantar para o casal real, Rosália observa quando a rainha chega e senta-se, como sempre, no lugar de honra da mesa, acompanhada por seu querido animal de estimação, uma centobra. Esse perigoso bicho é uma mistura de serpente com centopeia. Rastejava a maior parte do tempo e quando necessário, usava suas várias perninhas para correr ligeiramente. Além da poderosa peçonha, tinha também dois grandes ferrões na cauda, ainda mais venenosos. Contudo, para a rainha esse animal não representava qualquer perigo, sendo, na verdade, uma afável companhia e um potente defensor.

Naquela noite, ao servir um prato diferenciado preparado especialmente para agradar a rainha e mantê-la sobre controle, Rosália, ao tentar disfarçar do rei a carne escolhida, se surpreende quando Joana pergunta:

- Humm! De que raça era esse cachorro, minha querida?

- É de Fox da Península – responde Rosália envergonhada por ter sido desmascarada pela Rainha.

- Não estavam extintos? – retruca Joana.

Mostrando-se muito entristecida, Rosália que teve sua proeza revelada, completa:

- Acho que agora estão, Majestade.

O Rei Saul acha engraçada a resposta de Rosália, mas não sorri, pois não consegue em função da sua tristeza absoluta. Apenas gesticula com a cabeça e os olhos caídos se alargam. Ele não é uma pessoa má, somente triste, muito triste. Por opção em não cometer mais atrocidades como ocorreram nos infanticídios anteriores, ele tornou-se vegetariano, por isso, come lentamente os alimentos preparados por seus serviçais. O peso da culpa por transformar tantos corações em pedra fez com que ele, apesar de sua juventude, tenha semblante pesado, com barbas irregulares e ombros caídos, aparentando idade bem superior à da esposa.Seu coração também é de pedra, ficou assim no momento em que nascera e chorara como qualquer outra criança, da mesma forma que acontecia com todos seus antecessores, começando com o primeiro soberano, quando ao nascer um dos gemelares, pousando sobre ele, encontrou a lágrima e ali permaneceu.

Para conversar com a Rainha, Saul levanta um pouco o olhar e lhe diz:

- Tem sido muito difícil lhe agradar, minha rainha.

- Besteira, você fala como se fosse difícil dar-me um pouco de comida. Você sabe muito bem que não como aqueles bichos que estalam. Bom, vejo que finalmente alguém conseguiu algo à altura de meus desejos, afinal, no estado em que estou não posso passar vontade alguma. – Joana fala acariciando seu ventre grávido.

Depois ela estica a outra mão e alcança a barriga de Rosália.

- Obrigada por me entender Rosália, tomara que nossos filhos se deem tão bem quanto nós duas. Sua "apetitada" criancinha será a melhor companhia para o futuro rei ou rainha deste lugar.

- Apetitada?

- Não querida, eu disse apreciada!

Rosália entendeu muito bem o que a rainha havia dito. Sabia dos riscos que as crianças corriam ficando perto de Joana e isso a estava deixando angustiada. Em tempos passados, a rainha havia destruído famílias inteiras, roubando-lhes os filhos para lhes devorar os corações.

DesígniosOnde histórias criam vida. Descubra agora