Capítulo 17

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E dentro das grandes muralhas, Eduardo também pensa nela, a camponesa que cuida de vegetais com tanto zelo. O corte na orelha ainda dói. Teve que dormir sem alternar a cabeça de lado e por isso o pescoço também tornou-se dolorido. Ele se contorce para relaxar a musculatura bem no momento em que Amélia o encontra caminhando perto de imperiais palmeiras exuberantes, contornadas por flores coloridas. Ela, então, diz carinhosamente:

- Como vai meu querido, senti sua falta ontem.

A duquesa se aproxima e de praxe aproxima a mão direita do rosto de príncipe, num gesto carinhoso de trocar o calor entre si, pois caso se toquem, se queimarão mutuamente. Ela percebe o ferimento na orelha dele:

- Está machucado, o que aconteceu? – pergunta espantada.

Eduardo sobrepõe sua mão a mão dela e a retira carinhosamente, sem se queimarem, permanecendo por um instante aproximadas no limite entre as peles.

- Acidente de percurso. – responde sorrindo – Ontem encontrei uma camponesa durante um passeio entre as montanhas e ela me atingiu com um objeto incrível que depois retornou para ela, mas a moça saiu correndo, amedrontada, e, por fim, desapareceu na floresta. Foi muito rápido, tia. Foi fascinante na verdade. Bem legal!

- Você estava sozinho? Sabe que não pode sair por aí sozinho.

- Não estava sozinho, quer dizer, tinha dois soldados comigo, mas estavam descansando.

- E você não os puniu, poderia ter se machucado mais seriamente. Veja esse corte! E se tivesse atingido um olho, teria ficado cego. Mande açoitá-los.

Eduardo balança a cabeça e tenta acalmar a duquesa que a vida toda sempre o protegeu de todos os perigos reais ou não. Diz a ela que não aconteceu nada grave, que foi apenas um mal-entendido e que a garota apenas se defendeu assustada. Por fim Amélia se acalma.

- Você é um bom homem, assim como seu pai foi um dia.

- Sinto tanta falta dele. Às vezes me ponho a imaginar como seria se ele ainda estivesse aqui.

- Eu também. Ele foi o homem mais incrível que já conheci. Gentil, bondoso, cheio de sonhos, sempre pensando em todo mundo. Para mim, ainda é muito difícil conviver com a ausência dele, principalmente agora que os nobres estão querendo subir ainda mais os impostos. Ele seria completamente contra essa cobrança abusiva.

- Verdade, você tem toda razão, meu pai sempre foi muito justo com o povo. Mas, sabe, preciso lhe agradecer.

- Agradecer por quê?

- Por tudo. Vou aproveitar esse momento para lhe agradecer pelo que fez por nós, por mim, principalmente. A senhora me criou como um verdadeiro filho e ainda governou nosso reino muito bem. Os nobres pensam que decidiram tudo; os sacerdotes que tinham sempre as respostas certas, mas eu sei que não. De alguma forma, você esteve sempre mediando as situações, me defendendo, eu sei. Não deve ter sido fácil, mas a senhora sempre teve muita ousadia e jogo de cintura para contornar tudo isso.

Eduardo olha profundamente para Amélia e agradece pelo amor e dedicação proporcionado a ele. Realmente, a duquesa havia reduzido a própria existência em função de preservar a vida do menino órfão, acreditando fielmente que ele há de ser um grande rei.

Amélia se emociona. Homens não costumam demonstrar respeito pelas mulheres, muito menos gratidão. Eduardo é especial e ela sente grande contentamento.

- Tive muita sorte em participar dessa família. Sua mãe e seu pai teriam orgulho de você. Logo será coroado imperador e tenho certeza de que será tão bom governante quanto seu pai, quiçá melhor que ele.

Amélia arruma o cordão do pescoço do príncipe, que está torcido.

- A melhor herança que ele te deixou foi essa, a dádiva do sorriso. A felicidade mais pura. Nunca se esqueça disso, meu filho e tire de sua cabeça aquela ideia de vingança. Isso só faz mal para você.

Eduardo muda o semblante, respirando fundo e virando-se de costas, fica sério, com olhar fixo para o chão. Praticamente todos os dias em que conversavam antes, o assunto era sobre destruir o outro reino, o motivo que ele encontrou para justificar a morte do pai, colocando a culpa toda no reino de Tenebra.

- Dizem que aquela bruxa virou pedra, mas ainda quero matar aquele animal tenebroso que tirou a vida de meu pai – diz Eduardo.

- Aquele bicho já deve ter morrido Eduardo.

- Não, ainda não. Às vezes eu sinto aquela serpente como que me observando.

- É sua imaginação. Você passou por um trauma muito grande, precisa esquecer e superar tudo isso.

Ele está vestido todo de azul, realçando ainda mais a cor de seus olhos, completados com as grandes sobrancelhas bem desenhadas do rosto. Porém, sangue nos olhos não lhe favorecem a beleza, muito menos cura feridas.

Amélia procura o que dizer tentandoimpedir que o sentimento destruidor que Eduardo carrega sobre si possaafastá-lo de ser um homem bom, generoso e um excelente imperador. No momento emque vai se expressar novamente, um conselheiro do plenário os interrompe, poisa presença do príncipe estava sendo solicitada para tratarem de dois assuntos:definição da coroação dele e sobre a escassez de comida que estava assolando oreino. Sacerdotes e nobres o aguardam.

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