Capítulo 22

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Carise teve uma boa noite de sono numa cama quentinha e aconchegante. A alcova onde Derek repousa todas as noites para dormir, na parte superior da casa,é limitada por paredes de madeira. Pelo outro lado dessa divisória fica um espaço maior destinado a Madelin, que já não se encontra mais dormindo, pois levanta antes do nascer do sol e prepara o desjejum para o amado filho que sai para o trabalho.

Ao despertar, não reconhece onde estava e olhando em volta observa um baú encostado perto de uma janela que se abre para fora da casa e um pequeno toco de árvore que serve como banqueta. O ambiente é apertado, porém aconchegante. Vê-se, também, algumas túnicas penduradas na parede e bem próximo dela, entalhada na madeira que divide os cômodos, uma menininha desenhada com algum objeto pontudo. Ela se levanta, estava com a mesma vestimenta do dia anterior, mas não usava as sandálias. Ela ajeita o cabelo e começa a caminhar para sair, reconhecendo a escada que antes tinha visto da parte inferior da casa. Faz duas tranças em seu longo fino cabelo e depois as embola formando um coque todo trabalhado, ficando ainda mais bela. O silêncio impera todos os cantos da casa até que, finalmente, Madelin adentra trazendo algumas frutas.

Carise, como de costume, arruma o leito delicadamente, pois acredita que a forma como prepara o local de dormir define o dia que está por iniciar. Depois, abre a janela e vê o esquilinho fujão subindo em uma árvore bem à frente da casa. Embora envergonhada pela presença de Madelin abaixo, ela se encoraja e,finalmente, desce as escadas, indo ao encontro da gentil mãe de Derek.

A mesa do café está posta, tudo muito simples, mas feito com carinho. Madelin havia colocado um pequeno arranjo de flores bem no centro, num de seus vasos de cerâmica. Arrumou também as frutas que trouxe do pequeno pomar que existe dentro do lote. Os pães são frescos, tinha preparado antes para Derek e também faz um chá com erva cidreira cujo perfume invade o ambiente com o aroma agradável. Um verdadeiro banquete! Carise, novamente, está faminta e embora relutante se aproxima, afinal,teria que sair em algum momento, mesmo estando deveras amedrontada, pois não sabia quais seriam as próximas reações da antiga família de Dartho.

Madelin a percebe e diz:

- Bom dia, querida, como passou a noite?

- Muito bem, obrigada! – responde Carise.

- Sente-se e coma o quanto quiser, não precisa ficar nem um pouco encabulada.

Carise não conhece a história sobre Carmen Lúcia, Dartho nunca havia falado nada sobre sua vida passada. Tão pouco imagina que eles representam a família que teve que aprender a viver sem o chefe da casa e em uma época com tantos preconceitos e limitações de sobrevivência. Sente muita vontade de perguntar os porquês das reações deles no dia anterior, porém acha melhor protelar a curiosidade.

Enquanto se alimenta, Madelin parece perceber a curiosa agonia da menina e diz:

- Desculpe por ontem, acho que a assustamos. Depois que você saiu, refletimos melhor, decidimos que queremos muito que fique conosco.

- Não sei se devo – responde Carise – não quero lhes causar mais problemas.

- Não querida, você é uma alegria para nós. É que confundimos as coisas, sabe. Você parece uma boa moça e queremos ajudá-la. Percebemos que poderia ter ficado com as moedas e jamais saberíamos de nada, mas optou em trazê-las para nós e isso demonstra que teve uma boa criação. Ademais, sinto muita falta de uma filha e o destino te encarregou em ter o mesmo pai de Derek, então são como irmãos agora.

Emocionada, Carise se levanta, tem vontade de abraçá-la, mas Madelin recua para servir o chá que havia ficado pronto naquele instante e apenas sorri.Junto com o chá que oferece para a hóspede, ao lado do copo, coloca uma das flores retirada do vaso.

Mesmo tendo diversos afazeres Madelin senta-se um pouco e fica a admirar a bela moça. Imagina Carmen Lúcia em sua frente. Carise, depois de terminar sua refeição,tira da pochete seu sapatinho de crochê e pergunta:

- Onde eu posso encontrar quem fez esse sapatinho?

Madelin o pega para conferir. É de linha cinza e está velho. Recorda-se de um tecelão no vilarejo que talvez pudesse ajudá-la e a orienta de como encontrá-lo. Lamenta não poder acompanhá-la, pois precisa auxiliar os homens com o processamento do leite ordenhado pela manhã. Ela pergunta qual o interesse naquele sapatinho, que mais parece uma meia feita artesanalmente. A garota explica que aquele objeto é a única pista que tem de sua verdadeira família, a qual quer muito conhecer. Deseja muito descobrir quem são seus pais, se tem irmãos, onde moram e os motivos pelos quais havia sido abandonada.

Após as devidas orientações e conselhos, Carise começa sua aventura em busca do passado e também do futuro, pois nunca antes vivera situações tão incertas. Essas importantes descobertas representam toda sua vida e o rumo que deverá tomar a partir do presente momento. Aonde seus passos a levarem, ali encontrará sentido para sua existência e essa proposta é vista por ela com bastante entusiasmo.

Então, elas finalmente se despedem e seguem por caminhos opostos, encostando a porta da casa ao saírem.

Outra vez no vilarejo tudo ainda é novidade para a moça recém-chegada: a pequena padaria com seus deliciosos aromas que depois se perdia ao passar pelas partes das casas iguais. O barulho de ferro sendo fundido, uma mulher que abate um frango em plena rua. Os couros expostos para secagem já não cheiram mal e ela acaricia um de texugo muito macio. Caminhando um pouco mais,observa pequenas crianças chutando uma bola feita com cipó. Também, vê duas senhoras bem vestidas, com túnicas coloridas que as destacavam das outras pessoas que estavam por ali. Elas estão acompanhadas de suas mucamas e adentram no lugar que chama a atenção de Carise, pois parece ser aquele descrito por Madelin, onde o tecelão que ela procura poderia ser encontrado. Com sorte, algumas pistas do passado seriam reveladas.

Ela aguarda as distintas senhoras saírem e após se retirarem com as mucamas que carregam rolos de linho de cor amarela, azul e também tecidos de algodão branco e outro de cor verde bem escuro, Carise vai até a loja que também oferta linhas.

Ao adentrar, o tecelão que havia ordenado uma escrava para que organizasse o tecido que tinha exposto para aquelas senhoras, a observa intrigado. Carise, embora estivesse limpa e com uma túnica bem conservada, diferentemente das mulheres comuns, porém não tão bem vestida quanto as nobres damas que por ali passaram, é vista com curiosidade. Ela cumprimenta o senhor e mostra o sapatinho para ele, perguntando se dispunha daquele tipo de linha. O tecelão apanha o objeto e diz que nunca tivera aquele material, pois se trata de matéria prima obtida de um tipo de caprino encontrado exclusivamente em Tenebra.

O homem oferece outro tipo de lã para ela e diz também que havia recebido um lote novo de linho mais macio e menos pesado, que proporcionava leveza aos movimentos. Completa dizendo que duas senhoras haviam acabado de levar grande parte do estoque, pois gostaram bastante da textura. Carise agradece, mas o interesse dela é somente por aquela linha acinzentada. O tecelão pede para tocar na túnica dela e pergunta onde havia conseguido aquele tecido de tão boa qualidade, que ela mesma havia produzido, porém, ela informa desconfiada que não conhece a origem do material, despedindo-se dele em seguida. Lembrou-se das recomendações de Madelin sobre não explicitar para estranhos detalhes de sua vida.

Carise já sabe sua origem, tinha vindo de um lugar chamado Tenebra.

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