Sentimentos intermináveis e descobertas

460 19 7
                                    

O indivíduo torna-se mais forte, porque ele têm memórias que não pode esquecer. Normalmente as memórias mais traumáticas e dolorosas mudam a nossa maneira de pensar. A nossa maneira de  agir. Não necessariamente pelo lado negativo. A pessoa torna-se mais forte. Mais confiante. Mais triunfante. O que é bastante importante para o seu desenvolvimento pessoal. É uma conquista. É o que eu vejo agora. Pessoas que passaram por momentos e memórias traumáticas, mas que continuam de pé. Todos mudaram. Impossível não mudar depois de vivenciar tais acontecimentos. Ficamos mais dignos ao lutar. Mais inteligentes a investigar. Mais fortes por aguentar. E o mais importante, estamos aqui, com vida, a honrar os que lutaram em nosso nome. A honrar quem já partiu. A honrar a morte necessária. Não quero parecer insensível ao dizê-lo. Mas sem as suas mortes, nós não sairíamos vivos daquela batalha intensa no grande salão da mansão. Mas nós já sabíamos que isto poderia vir a acontecer. São as consequências de querer livrar o mundo do paranormal. Consequências de ser um elemento da Ordem. Eu aprendi a lidar com as mortes. Mas eu nunca as esqueço. Não as poderei  esquecer. Tenho sempre algo que me faz recordar dos que já partiram. Seja uma simples fotografia ou um objecto ligado a essa pessoa. Guardo as recordações na minha mente e guardo, os seus pertences e valores, na minha maleta. É a coisa certa a fazer? Não sei. Tenho quase a certeza que não. Mas nunca poderia deixar as recordações morrerem, quando o seu proprietário parte para um lugar melhor. Tal como Daniel, um dos homens mais elegantes e inteligentes que conheci na minha vida, era uma pessoa confiável, respeitadora e com o seu humor negro que sempre mantinha a minha aura serena. Era a pessoa mais calma e sincera que eu poderia ter conhecido. O meu companheiro de investigação, a pessoa que me mantinha sã. Guardo o seu cantil até hoje. Tal como guardo os óculos com lentes partidas de Alex, um homem alto e confuso, que amava profundamente Daniel. Impossível não sorrir ao recordar deles. Impossível não sentir culpa pelas suas mortes. Até porque, eu estava lá quando tudo aconteceu. 

Olho para a frente para afastar os pensamentos pesadamente nostálgicos, vejo um momento caloroso e amistoso entre Joui, Arthur e os últimos Galdérios da história. Estavam a dar o apoio necessário. Fico orgulhosa de Joui. Apesar de tudo o que passou ele ainda é capaz de sorrir e ser feliz. Ainda é capaz de ser uma pessoa de tão bom coração. De ainda ser uma pessoa tão pura. Gostaria que ele não estivesse aqui. Nesta missão. Ele deveria estar a viver a sua vida, aproveitar um nascer do sol com as pessoas que ainda lhe restam. Ele merece vida melhor que esta. César e Arthur também. Pergunto-me quais serão os motivos de suas entradas. Espero que todo esse interesse pela Ordem não seja em vão. 

Caminho para perto de uma janela semi-aberta, perto da porta do bar. Ao olhar para o lado de fora, vejo todas as covas cobertas por terra fresca acastanhada, com moedas colocadas por cima. Ao lado, uma árvore com grandes ramos de folhas esverdeadas, que proporciona-vam uma sombra enorme, encostado ao grande tronco circular, encontra-se Thiago adormecido. O seu dia fora duro, gostaria de ter estado ao seu lado em vez de estar no hospital, seria bem mais útil se eu simplesmente estivesse fora de um grande quarto. Mas ao menos a minha estadia no hospital não fora em vão, pude direcionar a minha mente para os documentos que encontramos na noite anterior. Tenho muitas perguntas que ainda não foram respondidas. Tenho teorias que poderão estar erradas e que poderão nem fazer sentido algum. 

Olho para os rapazes, todos eles sorriam com lágrimas nos olhos. Aproveito este momento para sair do bar. 

Quando saí, um vento refrescante atinge a minha face, fazendo alguns fios do meu cabelo negro esvoaçarem pelo ar. Aproveito a brisa com os olhos fechados. Ainda tem momentos dos quais me fazem lembrar de dias normais. 

Começo a caminhar até à cova de Christopher, que é bastante fácil de identificar, pois é a única que tem uma cruz improvisada, que pendia para o lado direito, por conta do peso do relógio de bolso de Álvaro, pai de Thiago. Na base da cruz, duas mulheres sorridentes apareciam bem vestidas em duas fotografias. Caio de joelhos no chão, levando uma das minhas mãos à fotografia de uma mulher morena de olhos cor de oceano - a minha mãe. A fotografia estava molhada e por causa disso, a sua cor ia-se perdendo aos poucos. Limpo um pouco a terra que estava a cobria o lado direito do seu rosto magro. Observo os seus olhos antes de a levar até aos meus lábios. Dou um beijo delicado e guardo a memória viva de minha mãe em um dos pequenos bolsos da minha jaleca branca. 

O segredo entre nósOnde histórias criam vida. Descubra agora