Momentos memoráveis

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A vida resume-se às memórias. Daquilo que se quer esquecer e do que não se quer lembrar. Existe tantos momentos da minha vida que eu preferia esquecer. Apagá-los da minha memória. Mas isso é impossível. Afinal isso faz parte da minha vida. Parte da minha existência. São as minhas consequências. Foram as minhas escolhas. Eu daria de tudo para esquecer algumas pessoas. Algumas atitudes. Algumas perdas. Mas isso não é possível. Mas talvez seja melhor assim. Afinal essa é a minha história. E nós, humanos, não podemos esquecê-la do dia para a noite. É importante para nós. É o nosso histórico. O nosso passado. O nosso presente. O nosso futuro. É bom relembrar. É bom ter lembranças. Mesmo que elas sejam dolorosas. Nós somos feitos de memórias. Temos muitas na nossa mente. Locais. Pessoas. Frases. Toques. Nós nunca iremos esquecer de algo tão simples e especial como isso. Mas porquê que eu só consigo me lembrar de seus olhos? O seu olhar leve e brilhante, que faz encantar qualquer um. O olhar que me apanhou de surpresa. O olhar de uma pessoa que eu realmente gosto muito. Talvez eu o ame. Mas amar é algo muito forte e com muito significado. Eu realmente não sei explicar a mistura de emoções que ele me transmite só com um simples olhar. Isso é chamado de amor? 

Parece tão errado eu estar a pensar em seus olhos enquanto cavo sepulturas para pessoas que morreram por nós. Que morreram em nosso nome. Em nome da Ordem. Mas não é a primeira vez que fazemos isto. Não neste local. Quando termino de cavar já se podia ver o sol a surgir por detrás das árvores de folhas caducas da grande clareira da floresta. Olho para o chão. Não posso acreditar. Mas isto é real. Voltamos a falhar na nossa missão e com isso, sofremos as nossas consequências. Largo a pá com revolta, fazendo-a cair na terra fresca bruscamente, algumas partículas da fina terra esvoaçam pelo ar. Volto o meu olhar para o meu lado esquerdo, onde se encontra uma sepultura com uma cruz feita de pequenos troncos secos improvisada, com duas fotografias de duas mulheres igualmente lindas acompanhadas por um relógio de bolso velho mas bem cuidado. Chris. Ele ainda está aqui. É a sua nova morada. Eu me pergunto como ele estará lá em cima. Se ele está orgulhoso de nós. Se está orgulhoso de mim. Diria que não, afinal acabamos de levar civis inocentes para as nossas batalhas. Caminho para um local mais alto, como se fosse um morro, onde eu tinha uma vista maravilhosa do nascer do sol. O sol com a sua luz amarelada fraca, nasce do meu este para o meu oeste fazendo iluminar cada vez mais o local onde me encontro. A floresta está em segundo plano, as suas grandes árvores de folhas verdes davam cor ao ambiente cinza, dando um grande contraste ao céu azulado. A brisa de vento dá um tom dramático ao acontecimento. Parece um dia normal. Um dia de uma vida normal. Mas depois se olhar para baixo, vejo e recordo, que nunca passará de um dia trabalhoso e exaustivo. 

Ouço sons de motos a se aproximar do bar - 3 motos. Em uma delas sai uma mulher de meia idade de cabelos brancos quase translúcidos, vestia uma camisa de ganga e calças negras, é a Ivete a dona do bar "Sovaco Seco". Na segunda moto, desce uma outra mulher, baixa e robusta de cabelos compridos loiros, era possível ver que tinha algumas madeixas púrpura na parte da frente do cabelo, vestia as roupas dos Galdérios e um casaco de cabedal negro com alguns detalhes a pele de animal. Nunca a tinha visto antes. Na última moto vinha Gregório e Arthur com o rosto enfaixado. 

Parece que chegou o momento não é verdade? Como estará o Arthur? Como recebera a notícia do falecimento do seu pai e de sua família? Lamento por ele. Eu realmente sei como é difícil ver os nossos pais partirem cedo. A morte sempre ganhará à vida. Com esse pensamento coloco as minhas mãos enfaixadas com ligaduras nos bolsos das calças. Não penso nem sequer do assunto. Não vou distrair a minha linha de pensamento por causa de um erro que aconteceu. 

Concentro os meus olhos de novo para a floresta. Estremeço um pouco. As lembranças que eu tenho quando eu estive naquela clareira não são as melhores. Sinto ainda no meu rosto o calor das chamas ardentes que queimavam lentamente as árvores, que queimavam a criatura, que queimavam Chris. Eu realmente não sei o que eu poderia fazer para o ter salvo. Ele já sabia que iria falecer. Ele se despediu de mim, dizendo que me amava. E eu nem sequer consegui dizer o quanto o amava também. O quanto eu me arrependo de ter dito palavras tão egoístas. As pessoas vão se embora muito rápido. Não temos tempo para despedidas.

O segredo entre nósOnde histórias criam vida. Descubra agora